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Estive na parte baiana dos Gerais, região que rendeu a Guimarães Rosa um estilo literário inconfundível. Do homem sertanejo, de sua linguagem inusitada, pouco vi fora alguns topônimos, como o Rio Alagamar (Goiás) ou a cachoeira Acaba Vidas (Bahia). Bem recorrentes, no entanto, são as veredas, uma das referências centrais da obra de Rosa.

No terreno arenoso e plano, surgem baixios com pequenos rios, alagados ou apenas com uma vegetação mais densa no meio do cerrado. Nessas veredas, dominam os buritis com o seu verde intenso. As águas da chuva se infiltram rapidamente pelo solo poroso e se concentram nas baixadas, criando faixas verdes mesmo na época da seca.

A região vive o inverno, estação das chuvas, e o cerrado está verde, ou de sua vegetação nativa ou das plantações, mas mesmo assim as veredas são exuberantes. Esse conhecimento explica o recurso do título mais famoso de Rosa – Grande sertão: veredas. O uso de dois pontos desarma a oposição entre esses espaços – o sertão único que está por tudo e as múltiplas veredas. Os contrários não estão separados, comunicam-se, por isso Rosa se vale de dois pontos e não da vírgula, o que seria gramaticalmente mais esperado. Essa mistura também se manifesta em outros níveis do romance: o bem e o mal, Deus e o diabo, o masculino e o feminino, a morte e a vida.

É ainda a convivência de realidades opostas que marca a região que se tornou na última década um dos centros agrícolas mais importantes do país. Saindo de Goiás e entrando na Bahia, há uma mudança geográfica brusca – desaparecem as montanhas e surge uma imensa planície, quase toda cultivada. Cortando as extensas plantações, as veredas e algumas poucas áreas da vegetação do cerrado.

O centro dessa nova fronteira agrícola é a cidade que já se chamou Mimoso do Oeste, e que hoje leva o nome de Luís Eduardo Magalhães, mas que os moradores abreviam para LEM, uma cidade que está sendo construída em ritmo de cenário cinematográfico. Oficialmente, tem pouco mais de 60 mil habitantes, mas nesta época chega a 100 mil, pois a safra atrai os proprietários, trabalhadores e vendedores para a cidade.

Os baianos – que não são a maioria, porque aqui é uma extensão do Sul do Brasil – chamam a todos os que vêm de São Paulo para baixo de gaúchos – tanto os catarinenses quanto os paranaenses. Pequenos agricultores dos estados do Sul venderam suas terras ou concentraram seus investimentos na compra de propriedades no cerrado, abriram essas áreas, semearam fazendas onde não havia nada. Muitos passam na Bahia apenas o período de planta e colheita da soja, mas Luís Eduardo Magalhães se tornou o endereço fixo de uma nova população – entre eles, meus dois irmãos.

Rodei mais de 4 mil quilômetros (ida e volta) para visitá-los. Como tantos outros, estão erguendo a vida nos Gerais, que vão se fazendo habitado por essa estranha gente que chama de minha terra todo o solo que possa ser produtivo. No hotel em que nos hospedamos, o balcão de recepção é composto por vitrines com os produtos locais, orgulho desta raça de agricultores. Há vitrines de soja, milho, feijão, algodão, arroz, sorgo e café.

Fazendas de gado são comuns, embora não dominantes, e vi vegetação e animais nativos. Mas a palavra mágica aqui é safra. É ela que move o comércio, os muitos caminhões, as milhares de camionetes caras, as edificações urbanas. Em Luís Eduardo Ma­galhães, ainda faltam asfaltos e outras infraestruturas, mas ela nasce como uma cidade moderna, rica e festiva. Nordeste e Sul ali se encontram.

* A colunista Marleth Silva está de férias e retorna no dia 5 de fevereiro.

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