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Livia Garcia-Roza reuniu em livro postagens que fez nas redes sociais | Divulgação
Livia Garcia-Roza reuniu em livro postagens que fez nas redes sociais| Foto: Divulgação

O aforismo circula no sangue da cultura brasileira. Desde Machado de Assis, autor de frases carregadas de ironia, recorremos a este gênero que se confunde com a modernidade, com o uso sintético da língua portuguesa, nosso trunfo sobre os colonizadores prolixos. Com o advento das redes sociais, o aforismo se tornou uma moeda corrente, sendo agora praticado em larga escala. Como somos um país de frasistas, nada poderá nos deter.

Com textos que vão de pensamentos a minicontos, ora mais sérios ora mais irônicos, Livia Garcia-Roza reúne em livro as suas postagens dos anos de 2009 e 2010, num título que remete ao Facebook – Faces (Record, 2011). É a vida em suas ninharias, num pacto de observação da realidade, espécie de redução da crônica a dimensões liliputianas. Essa produção ocupa um lugar fronteiriço na literatura, pois não há um gênero certo para abrigá-la. Tudo cabe ali, da confissão à cena imaginária, da reflexão à piada, porque o que importa é o tamanho: 420 ou 140 caracteres – limites, respectivamente, do Facebook e do Twitter.

O formulário digital produz uma mudança de olhar, que agora recai sobre as coisas que não têm força e relevância para ocupar mais palavras. A novidade não está em termos ou sintaxes próprias do mundo digital, mas nesta nova matéria que pode ser o centro de um projeto literário: "A internet está lidando bem [...] com esses pequenos comentários, porque a vida, na verdade, é essa miudeza" (p.9), diz a autora na introdução. As redes sociais nos educaram para os pequenos nadas, que antes eram desperdiçados, e que sofrem agora uma reciclagem literária. E essa mudança de perspectiva de criação já conta com seus primeiros frutos em livro.

Lívia separa uma passagem daquilo que seria um assunto para conversas familiares, sinalizando, no passado e num gênero grandioso (a ópera), a mudança da produção/fruição artística: "Meu bisavô era um crítico musical. Meu pai contava que um dia o avô assistia a uma ópera de uma das frisas quando um sujeito ao lado começou a trautear a melodia. / – Eu aqui, ansioso por ouvi-lo, e aquele sujeito lá embaixo a impedir... dissera o bisavô" (p.23). O episódio, que poderia ter apenas um sentido humorístico, pois o grande cantor é quem atrapalha a interpretação inconveniente de alguém na plateia, mostra uma nova forma de pensar a arte, que é também, e principalmente, o que o público produz, e não mais só o material consagrado. A arte se faz um pecadilho pessoal, o trautear de que fala o texto, música cantada para uso próprio.

A internet permitiu que todos nos fizéssemos autores, e que autores praticantes de gêneros maiores também frequentassem os menores. Livia Garcia-Roza, nesta militância digital de textos, amplia seus instrumentos de expressão; lê trajetórias minúsculas, inventa personagens ligeiros e reflete sobre psicanálise e escrita sem nenhuma preocupação com a erudição. E este me parece o maior mérito das redes sociais: elas permitem pensar sobre tudo sem a mínima pose da seriedade. Somos como crianças liberadas para arriscar descobertas. Livres de credenciais e de maiores esforços sistematizadores, apenas com um olhar atento, podemos identificar, em nosso entorno e em nós mesmos, verdades sinalizadoras, como este aforismo primoroso de Livia: "Só acabei de nascer quando fui mãe" (p.52).

Textos como esse nos colocam diante de uma vastidão de sentido, unindo a forma poética de dizer à densidade de uma experiência nascida no corpo de quem a viveu.

Serviço:

Faces, de Livia Garcia-Roza. Record, 72 págs. Preço médio: R$ 19,90. Aforismos

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