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Alguns leitores estão querendo notícias do sapo que apareceu em nosso território. Um sapo que não gosta de umidade, e que tenta entrar em casa nos dias de chuva. Estou caminhando na rua ou bebendo café no calçadão e logo alguém se lembra de perguntar:– Como está o nosso sapo?A crônica dá esta alegria. As pessoas se sentem parte dos acontecimentos. O sapo é agora de todos que me leram. Não me pertence mais.Um amigo, homem sério da engenharia, leu na praia o volume em que reuni minhas crônicas, e numa conversa disse que conhece minha casa sem nunca ter entrado nela. Desprotegido, o cronista habita uma casa de vidro.Falar da vida, eis nosso ofício. Mas não se trata de exibicionismo. O cronista é um criador de mitos. Deve elevar o cotidiano a uma condição narrável. Ele se faz perseguidor dos sentidos velados dos pequenos nadas.Mas os deuses o ajudam. Aqui em casa, tudo parece existir para me dar assunto.O quintal, por exemplo, é pródigo em episódios cronicáveis. Uns três anos atrás, resolvemos, minha mulher e eu, plantar algumas árvores que nos fossem caras. Isso já aconteceu uma outra vez. Quando morávamos no bairro curitibano da Barreirinha, reduto de polacos, plantei um plátano, que cresceu assustadoramente, e ela preferiu um manacá da serra. Agora, escolhi uma árvore bem diferente da outra – uma romãzeira; e ela, uma manacá da serra. Está explicado o nosso casamento de duas décadas. Comprar o manacá foi fácil. Numa floricultura, escolhemos a árvore mais vistosa. Está ao lado da biblioteca, e dá uma revoada permanente de flores. Deve ser culpa da neurose do momento: o efeito-estufa. Embora ainda pequeno, uns três metros de altura, o manacá tem sempre milhares de botões abrindo. Adaptou-se rapidamente, e cresce como se o solo fosse seu.Comprar a muda da romãzeira foi mais difícil. Um amigo a encontrou numa casa de produtos agrícolas. Era uma muda meio raquítica. Fiquei na dúvida, mas acabei não resistindo. Plantei abaixo do caramanchão, e a romãzeira ficava, cada dia, mais feia. Depois de um ano, pensei em cortá-la. Não daria frutos nunca. Por esta época, comprei um vaso com uma mini-romãzeira a exibir dois pomos miúdos. Ela ficou numa mesa de jardim, onde leio nos finais de tarde. Eu olhava a minúscula planta exuberante e a outra desfolhada, com cara de filha adotiva, revoltada com o pai. O melhor era me livrar dessa última. Mas havia o sonho de colher romãs. Uma fruta ligada à Espanha, onde recebe o nome de granada. São minhas raízes espanholas, eu pensava. Deixemos que essas raízes afeitas a solos menos ricos possam seguir seu destino.

A mini-árvore apodreceu, e isso foi um estímulo para a romãzeira, que soltou uma leva de folhas novas. Notamos que elas estavam sendo atacadas por formigas, e minha mulher improvisou um anteparo de plástico, colocado no início do tronco. De tempos em tempos, ficávamos alguns minutos em torno da árvore. Embora quase não perdêssemos tempo com o manacá exagerado.

Para manter o jardim sob controle, cortamos as trepadeiras sete-léguas que tinham tomado conta do caramanchão. Elas nos deixavam tensos, crescendo muito a cada dia. No lugar, plantamos uma trepadeira lerda, que não tem ainda dois metros de ramas, mas solta flores imensas e levemente cheirosas.

Um dia, vimos as primeiras flores da romãzeira, ela estava agora fortalecida. Pequena, mas com um aspecto saudável. Vaticinei: não segurará as flores. Não contamos quantas eram essas flores, mas alguns meses depois descobrimos seis romãs. Hoje, medi a circunferência delas. A maior tem 26 centímetros de cintura. A menor, 16. Sou o feliz proprietário de seis romãs bojudas.

Não sei se elas chegarão a ficar maduras, liberando, ao romperem a casca, seus rubis ácidos. Mas já me sinto realizado. Tenho não um pomar, mas seis frutas que valorizam meu quintal.

Quando caminho, vejo romãzeiras nos jardins das casas mais antigas, e sinto orgulho de pertencer ao grupo das pessoas que cultivam essa frutífera. Penso em criar o clube dos proprietários de romãzeiras. Vamos nos sentar à sombra de uma delas – a minha ainda é pequena, menos de dois metros – e ficar falando sobre a característica de cada fruto que nasce, trocando receitas de suco e vinho de romã. Quando alguém falar em pêra ou outra fruta qualquer, olharemos com desdém. Somos especialistas em romãs, produzidas em nosso quintal, não venham com essas frutas rotineiras.

O outro episódio relevante aqui em meus domínios é que uma das quatro plantas espinhentas, da família dos cactos, que plantamos, em 2003, na entrada da biblioteca, soltou um imenso e grosso pendão, de mais de dois metros de altura. E ele está florindo. Não sabemos ainda a cor das flores, mas até as plantas mais indóceis querem ser admiradas por sua beleza inocente.

O leitor deve estar se perguntando do sapo. Por que ainda não falei nada do sapo? É que faz tempo que não tenho notícias dele, mas sei que ele está aqui no quintal, escondido da Mel.

Ah, estava esquecendo de dizer. Arranjamos uma cachorrinha que é um amor.

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