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Em 1990, conversando com um amigo chinês, perguntei qual era a religião preponderante naquele país comunista.

– A mesma do resto do mundo: o dinheiro – ele me disse.

E era a pura verdade, uma verdade que, na última década, foi escancarada. A China é agora uma grande ameaça para o mundo. E não pelo sistema comunista, bastante desbotado hoje em dia, mas pelo desejo de consumo. Se um em cada três chineses comprar um carro, em pouco tempo acabarão as reservas de petróleo do planeta. Eu acreditava que isto estava longe de acontecer, mas as notícias que vêm do outro lado do mundo anunciam um crescimento assustador das estradas de rodagem e do número de carros em circulação.

Logo, estaremos desmotorizados, tal como a China ficou durante décadas, sem poder participar da modernidade maquinal. Mas não tomemos este povo como inimigo, talvez ele exporte para nós as bicicletas com motor elétrico e outras soluções para o transporte.

A alta do combustível será uma constante e apenas os ricos poderão manter automóveis, e mesmo assim por um tempo limitado. Este é o futuro próximo do planeta.

Quando falam em álcool e outros combustíveis alternativos, como o biodiesel, eu vejo como a mente do economista não percebe a situação do planeta. Todos têm culpado os usineiros e demais empresários do ramo pela alta do álcool, e também – isso sim é preocupante – da cachaça. Recentemente, troquei meu carro e o modelo que escolhi só estava disponível na versão flex. Nunca tinha tido carro a álcool e, assim que saí da agência, sem atentar para a relação custo-benefício, mandei encher o tanque com este combustível. Conversando com o frentista, perguntei se muita gente estava usando álcool. Respondeu que não, por causa do preço.

– E sabe quem é o verdadeiro culpado disso?

Ele me perguntou , ameaçador, e logo respondeu:

– Vocês que compram carro flex.

Continuei usando gasolina para não me sentir tão mal, pois já sou culpado por tanta coisa, pelas crianças que estão fora da escola, pela corrupção do país, pelo nepotismo do judiciário, pelo caixa dois das campanhas, pela fome no nordeste, pelo efeito estufa, pela má qualidade da literatura atual. Não queria mais uma culpa.

O fato é que o álcool, como solução energética, é algo paliativo. O maior responsável pela diminuição das reservas de água doce no planeta não é gente que, igual a mim, demora no chuveiro ou quem lava carro e calçadas, e sim a agricultura. Então, nossa agricultura, se quiser ser racional, e não apenas lucrativa, vai ter que se concentrar na produção de alimentos para a humanidade, para que em breve não sejamos uma grande África, famélica e adoecida.

Neste contexto, a grande briga contra os transgênicos me parece tão adjetiva, pois o importante agora é lutar pela diminuição do plantio e consumo de grãos e outros produtos agrícolas que só servem para manter aquecido um mercado supérfluo.

A solução pode vir da energia solar, que não precisa ser tirada do solo, como é o caso do álcool e do pretóleo – e com o aquecimento do planeta esta fonte só tende a aumentar. Mas esta é uma tecnologia ainda muito incipiente, e talvez fiquemos sem combustível, e sem água doce, antes da invenção de carros e aviões que realmente funcionem com energia solar.

Vai acontecer, e isso já é rotina em algumas metrópoles, um aumento do transporte coletivo e de seu preço. Cada vez mais, as grandes cidades vão se tornar um conjunto de pequenas cidades, em que a população viverá no bairro, indo muito pouco, apenas quando inevitável, para outras regiões da urbe. A metrópole, uma invenção do homem motorizado, sofrerá uma reversão violenta com a diminuição acelerada do combustível.

As viagens serão proibitivas em pouco tempo, pelo mesmo motivo, o que obrigará o cidadão a levar vida mais pacata, sem este deslocamento insensato de um lado para outro, como se, de repente, todos tivéssemos virado ciganos. Alguns setores de nossa economia talvez estejam com os dias contados – o de turismo tradicional pode ser o primeiro a desaparecer. Mas deve surgir uma nova modalidade – o turismo a pé ou de bicicleta. Também o setor de transporte em geral sofrerá com a crise energética, pois a sociedade globalizada, em que você usa principalmente produtos importados, será substituída por uma sociedade auto-sustentada. Cada região terá que produzir tudo, muitas vezes de forma artesanal, pois a crise de energia tornará obsoletas as grandes máquinas que movem a indústria. Voltaremos a ter sapateiros e uma série de outras profissões quase extintas. Nossas fazendas, entregues às monoculturas em alta no mercado externo, serão transformadas em pequenas propriedades cultivadas por mão de obra humana, e o lavrador reencontrará seu lugar na sociedade.

Há, portanto, aspectos positivos nesta crise que se anuncia. O capitalismo vai se extinguir, ironicamente, pela entrada de uma imensa massa de consumidores, que era mantida em estado de latência principalmente em países comunistas como a China. O capitalismo é um sistema que traz em sua proposta a própria falência. Com o fim dele, pelo esgotamento das fontes materiais, o planeta voltará a viver num período pré-revolução industrial, num sistema comunitário e meio medieval, em que teremos que produzir o básico para sobreviver.

O grande perigo serão as invasões dos povos fisicamente mais fortes e mais bélicos, que continuarão buscando os derradeiros lugares que ainda guardarem alguma abundância. Mas eles demorarão mais para chegar, pois virão a pé e passando fome e sede pelo caminho.

Restauraremos o modelo do homem fazedor e uma vida material rústica depois dos anos de esbanjamento. Até que não haja mais matéria viva no planeta e ele possa rodar em torno do sol como um rocha árida.

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