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– E se... – começou a dizer.

– Continue – insistiu o marido.

– Nada não, uma idéia maluca que tive.

– Então fale.

– Melhor esquecer.

– Este é o problema, estamos sempre esquecendo.

Ele foi à cozinha, abriu o forninho e retirou um prato coberto com um guardanapo de pano, sentindo o cheiro do risoto. A comida fria mata a fome mas não sacia – pensou, enquanto se sentava sem apetite por aqueles restos do almoço. Se quisesse comida fresca, teria que preparar e estava cansado demais neste fim de domingo.

Deixou o prato sobre a mesa, sem tirar a toalha de renda que a cobria, pensando que se ela visse isso desaprovaria sua falta de modos – o que custa retirar a toalha, pegar a outra na gaveta do armário e preparar as coisas de forma minimamente civilizada? Se ela viesse com esta história, ouvida tantas vezes, ele apenas repetiria, de boca cheia: nem comer em paz essa porcaria eu posso?

Ela não foi à cozinha e ele mastigou rapidamente a comida, uma colherada atrás da outra, sem sentir o gosto. Em seus lábios, uma camada de gordura deixou um brilho encardido. Levantou-se de uma vez, empurrando a cadeira, como se tivesse algo urgente para fazer, batendo o joelho na mesa e soltando um palavrão, e foi para a pia. Abriu a torneira e deixou a água escorrer no prato inclinado e depois o abandonou no fundo da cuba.

Sentindo ardência no estômago, parou na sala e ficou vendo tevê, retardando o momento de procurar a cama, onde a encontraria em sua camisola curta, o corpo à mostra, ao qual ele também recorreria sem prazer, apenas para matar a fome.

No corredor para o banheiro, cruzou com ela e com um cheiro de creme, e isso piorou seu estômago. Enquanto escovava os dentes, sentiu os seios volumosos contra suas costas e as unhas compridas subirem por sua coxa. Ele se mexeu, tentando afastá-la, mas ela tomou isso como carinho. Seus olhos pediam e ele não teve como fugir.

Seguiram para a cama, ele tentando não olhar para ela, toda empenhada em simulacros de sedução. Derrubou-a sobre a colcha antes que inventasse algum truque.

Há muito tempo tudo era rápido. Logo vinha o fim e eles se separavam, meio constrangidos. O marido dormiu um sono morto, sem sonhos, e quando acordou, com os pés gelados da mulher procurando os seus, encontrou-a de olhos acesos.

– E se voltássemos a Curitiba para tentar reencontrar o que perdemos? – ela perguntou.

Ele ficou estudando uma rachadura no teto, tinha que pintar a casa, amanhã ligaria para o pintor. Mas logo mudou o rumo dos pensamentos.

Era uma noite de inverno quando se encontraram pela primeira vez. Ele tinha ido à capital para resolver alguns problemas do escritório e, no final de uma reunião prolongada, decidiu caminhar, parando num quiosque para um café com creme. Notou, na outra ponta do balcão, uma morena que o olhava sedutoramente e, em poucos segundos, já estavam conversando.

No hotel, ele descobriu que ela era muito mais bonita nua. Depois de cinco dias de namoro, ela, que morava em Joinville, resolveu vir com ele para o interior – sem casamento nem explicações a ninguém.

Agora, passados mais de dez anos, estavam procurando uma razão para continuarem juntos.

– Passar uma semana naquele mesmo hotel.

O marido permanecia em silêncio e ela sabia que esta era sua maneira de concordar, livrando-se de qualquer responsabilidade sobre a decisão que seria unicamente dela.

Depois de mais alguns minutos, ele falou, fingindo desinteresse:

– Se voltássemos ao mesmo hotel não estaríamos revivendo o encontro. O que nos uniu foi o acaso.

Estava definida a viagem.

A mulher embarcou numa quarta-feira para Joinville, onde ficaria dois dias visitando parentes. Depois iria para Curitiba. Eles se beijaram na porta do ônibus.

No domingo pela manhã, o marido foi de carro à capital. Chegou no fim da tarde e se hospedou num hotel distante do centro. Passava horas infindáveis vasculhando sebos, em busca de edições esgotadas. Caminhava pelo Largo da Ordem e pelas ruas pobres, parando nos bares para tomar cerveja bem gelada, porque era verão. Voltava muito cedo ao hotel e ficava até de madrugada vendo filmes, dormindo sem escovar os dentes, como no tempo de criança.

Ela gastava boa parte da manhã se arrumando, com um zelo que só as mulheres com mais de 40 anos têm. Depois vagava pelas lojas da cidade, parando nas confeitarias para um chá. Nunca almoçava, reservando sua fome para o jantar. Na primeira noite em Curitiba, ficou em dúvida: deveria jantar sempre no mesmo restaurante ou ir cada noite a um lugar diferente? O que estava em jogo era a espera ou a procura? Acabou preferindo variar, daí ter experimentado comida chinesa, italiana, mineira, frutos do mar... Levantava tarde e dormia mais tarde ainda, nesta ronda gastronômica que já não tinha objetivo. Queria apenas sair, ver gente e ser vista.

No quinto dia, ele voltou. Sentia-se bem na casa vazia. Em breve, pensou, ela retornará.

Mas ela só chegou uma semana depois.

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