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Fazia meses que não me sentava num banco que há aqui em nosso jardim. É um banco velho, de madeira e ferro, sujo de tempo, instalado entre duas palmeiras da época da construção da casa. Eram três, dispostas triangularmente, mas uma delas logo morreu. Colocamos o banco no alinhamento das duas palmeiras, ocultando o vazio da que não sobrevivera.

Eu mesmo montei este banco de ripas de madeira e pés de ferro, que comprei lá por 1994 numa loja em Santa Felicidade. Apesar de minha falta de jeito, e depois de sofrer para juntar as partes, consegui me sentir um homem útil, preparado para as tarefas domésticas. Naquela altura, ainda gostava de cortar a grama do quintal, lembrando de meu passado agrícola, quando se exigia este tipo de comportamento de um homem: cortar a grama, pintar a casa, fazer pequenos reparos etc. Fui criado para essas coisas todas e juro que tentei manter uma vida minimamente prática. Hoje, no entanto, não tenho paciência nem para trocar as lâmpadas queimadas.

Meu tempo livre eu gasto na frente do computador e com os livros, pois a vida se tornou muito valiosa, e o tempo um artigo raro. Não apenas porque envelheci, cruzando as primeiras fronteiras, mas porque a tecnologia permitiu que eu me dispersasse em várias direções, entrando em contato com coisas antes inimagináveis. Acompanho artigos de vários jornais, freqüento blogs, sigo pessoas pelo Twitter, assisto a vídeos, adquirindo intimidades outrora impossíveis. Ouvi, dia desses, a gravação de uma entrevista com Monteiro Lobato, conhecendo sua voz e seu gênio intratável: brigou com o locutor durante a conversa. Era como se eu tivesse lá, do outro lado de um rádio. Estes recursos novos me atraem. E, mesmo não tendo maiores habilidades tecnológicas, eu me obrigo a dominar algumas ferramentas da Internet.

Em um café, ouvi um pai reclamando que o computador havia roubado a infância do filho; este pertencia a uma idade sem interesses concretos, nem jogar bola ele jogava, manifestando um descaso total pelas diversões coletivas. Eu mesmo passei por algo parecido. Construímos esta casa para dar um quintal à nossa filha, mas de uma hora para outra o seu tempo ganhou uma natureza eletrônica – tevê, celular, computador, aparelhos de som. O quintal ficou apenas para nós até o momento em que nos libertamos das obrigações com ele. Comecei a pagar um jardineiro para, uma vez por mês, fazer a poda das plantas e o corte da grama. A cachorra comprada para a filha também vive sozinha, sem maiores carinhos, vagando pela casa e pelo terreno, e toda semana a mandamos a um pet shop, onde mãos profissionais dão banho, amarrando lacinhos e perfumando os pêlos.

Nós nos distanciamos de nosso mundo imediato. Não temos muitas responsabilidades sobre ele. Os filhos crescem diante de aparelhos, estudam sozinhos, divertem-se lá do jeito deles, cada um erguendo a vida individualmente e, ao mesmo tempo, de forma tão acompanhada.

Nunca antes tive tantos amigos, todos longe. Converso com eles, recebo imagens, leio postagens nos blogs. Pessoas que não me conhecem me chegam num grau de intimidade que me livra da solidão. Deixei a casa, passando a morar no meu computador, em blogs que acesso de todos os lugares. Todos os lugares agora são a minha cidade – basta que haja conexão. A viagem ao diferente, como experiência radical, só poderá ocorrer quando fora das áreas de cobertura do celular.

Estou em casa e não estou em casa. Ficou meio sem sentido dizer de onde somos – a não ser para fins de correspondência postal. E disso não me livrei, ao contrário, recebo muitas encomendas, pois a Internet me permite comprar livros e todo o resto das mais distantes regiões.

Trocamos nosso quintal pelo mundo.

Mas minha pergunta é: por que temos que fazer esta troca? Poderíamos ficar com os dois, anexando o quintal remoto. De certa forma, as crônicas que publico aqui e as frases que escrevo no Twitter falando de eventos cotidianos são uma tentativa de fazer isso. O mundo digital construiu uma estrada que passa por onde eu moro, e as pessoas podem conhecer a existência comum da qual tiro alguns episódios epifânicos, potencializando ninharias.

Sentado aqui no banco fiquei observando a cerejeira ornamental que minha mulher fez plantar no lugar da palmeira morta. É uma árvore ainda muito pequena, com um metro e meio e uns poucos galhos – pelados porque estamos, é isto que ela diz, no outono. A romãzeira também perdeu suas folhas. Só o manacá-da-serra segura as dele, não sem muitas baixas.

Na cerejeira havia uma única folha – vermelha, fina e comprida. Observando melhor, vi que era um pregador de roupa; alguém (provavelmente o jardineiro) o encontrou no chão e o prendeu no galho. Isso me deixou bestamente feliz. A arvorezinha que tivera as folhas roubadas pelo vento ganhara um pregador. Poesia pura, pensei. E na hora imaginei um poema visual. Uma árvore seca com os galhos repletos de pregadores coloridos.

É isto que, hoje, meu quintal tem a dizer.

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