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Parece que nossas praias não estavam lá muito limpas, dando razão a um amigo meu, catarinense de carteirinha, embora nascido no Rio de Janeiro, que dizia, em 1990, que o Paraná não tinha propriamente praia, e sim esgotos. Desde aquela época, desço, sempre que posso, para Santa Catarina, que também tem grande extensão de esgotos. Previdente, tenho ido agora para Bombinhas, e antes do Natal, quando os restaurantes estão começando a abrir e ainda há espaço na areia para esticar as pernas.

No resto do verão, permaneço em casa, saindo o menos possível, envolvido em minhas rotinas, atento ao noticiário sobre a falta de infra-estrutura no litoral, informado sobre os amigos que voltaram com infecção intestinal ou sobre os que passaram as férias consertando a casa da praia, aparando grama, cuidando da pintura deteriorada. Há um prazer em receber estas informações e saber que estou na minha casa, feita segundo minhas neuroses. Acompanho as reclamações de barulho no litoral e me delicio com os passarinhos cantando aqui na vizinhança e com o pequeno movimento de carros na rua. Eles que sofram por lá – penso. Desculpe, caro leitor, mas sou mesmo um grande egoísta. Gosto deste meu verão vazio de eventos.

Mas gosto também quando começam a voltar os veranistas. Muitos já passaram o mês regulamentar e agora retomam, meio contra a vontade, serviço, casa, amizades e compromissos. Acho que o melhor da praia acontece mesmo agora.

As mulheres reaparecem bronzeadas, com vestidos leves, frágeis modelos tomara-que-caia, florais e finos, deixando entrever a calcinha branca, para contrastar com a pele morena. Os vestidos são presos apenas por uma camada de elástico, sem nenhuma alça, e, acima deles, as marcas do biquíni, um triângulo que vai crescendo conforme elas andam e o tecido desce, revelando fronteiras.

E não precisamos ir aos clubes para flagrá-las nestes trajes tão praianos. Elas os usam em todos os lugares, nas lojas, no shopping, nos supermercados e nos restaurantes.

Eu, que detesto fazer as compras do mês, tempo perdido entre gôndolas e carrinhos desgovernados, passo agora a ir ao supermercado duas ou três vezes por semana, para buscar as coisas mais desimportantes. E lá estão elas com seus vestidos curtos, o corpo insinuante, sandálias baixas ou chinelos.

Mesmo na seção de verduras e frutas sinto a brisa marinha no meio destas mulheres de todas as idades, que me devolvem o mar, prolongando a praia. O suor delas deixa no ar o sal ainda impregnado em suas peles e elas guardam o despudor que exercitaram na temporada. Todas com pouca roupa. Em alguns momentos, penso que, ao entrar num restaurante, eu as encontrarei apenas de biquíni, com uma leve canga ou um lenço transparente atado à cintura. Como os dias de praias são muito recentes, elas se esquecem que voltaram à cidade, que aqui são senhoras conhecidas, mulher do doutor tal, irmã do fulano, mãe de nosso grande amigo, e se deixam ser admiradas nos lugares mais inusitados, numa entrega inocente a todos que não foram à praia e que a encontram tão atraente nestes corpos, sem ter que enfrentar os famosos problemas de muito esgoto e água com gosto.

Mas não são apenas os vestidos que proclamam seus corpos aos olhos mais atentos, e sedentos. Nos parques, academias e clubes, elas andam com blusas mínimas e malhas apertadas, num ritmo que lembra os excessos físicos do verão.

E não vemos quase tudo, tal como acontece na praia. Agora é um jogo de revelar e encobrir. Aumenta a sensualidade quando estas vestes mais sugerem do que mostram, mais prometem do que concedem.

Na areia, há um naturalismo meio frustrante. Belos braços nos encantam, mas daí surge a coleção secreta de celulite e estrias. Olhamos para a barriga retíssima, uma tábua de lavar roupa, quando a musa se dobra para estender a toalha, desafiando a lei da gravidade, para perceber os poros inflamados pela depilação. Divisamos uma face estonteante, só que emoldurada por cabelos ressecados do muito sol, do sal e da brisa, mais próximos de uma vassoura do que propriamente do que entendemos por cabeleira. E há carnes em excesso sendo expostas, como se estivéssemos em pleno açougue.

Quando voltam, elas se encobrem, instalando panos sobre certas partes, jogando com nossa curiosidade, e assim encontramos mulheres muito mais belas e apetitosas, portadoras de promessas várias, estampadas nas costas livres, nas bermudas mínimas e nas nádegas insinuantes por conta das calças baixas, deixando à mostra os "cofrinhos" (oh, quantas moedas não deixaríamos ali!). Há também a tatuagem nas costas, que todas querem mostrar, e temos então mais um pedaço do corpo entregue à nossa insaciável imaginação.

Este é o período das banhistas no asfalto.

Elas são o mar sem água com clorofórmio fecal, a praia sem areia, verdadeiro resumo da temporada.

São as águas revoltas mas que não nos intimidam, as ondas que se quebram em silêncio nos movimentos dos vestidos e nos chacoalhar dos seios livres, porque o calor não admite o sutiã.

E nestas águas nos perdemos, na expectativa de todos os afogamentos.

Somente quando as marcas do biquíni começarem a sair e os vestidos leves ficarem puídos, de tanto uso, depois de muito sol ter atravessado suas fibras, revelando intimidades, é que a estação irá acabar.

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