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Já não éramos pobres, mas ainda não tínhamos dinheiro sobrando. Então, quando eu queria sair, meu pai me dava umas notas pequenas, suficientes apenas para pagar a entrada no clube e um refrigerante.

– Filho meu não pede nada aos outros.

Assim era meu pai, tinha desses orgulhos, próprios de quem sofreu nas unhas da vida. Só que ele não sabia que o meu refrigerante, naqueles dias, era cerveja e custava bem mais caro.

Sem que eu pedisse, minha mãe me passava algumas notas adicionais. Dizia que tinha encontrado o dinheiro no bolso da calça de meu pai, na hora de lavar a roupa dele. Minha mãe mentia bem, e eu acreditava nela – a gente tem que acreditar em algo. E ela assim pôde continuar atacando em paz a carteira do marido enquanto ele dormia.

Com a soma dessas doações, eu saía nas noites de sábado. A cidade toda se reunia na frente do único cinema. Quem tinha carro ficava dando voltas na avenida. Quem não tinha, encostava-se nos carros estacionados e olhava o movimento. Alguém aparecia com uma garrafa de cerveja – não havia latinha nem long-neck – e todos bebiam no bico. Quando chegava minha vez de buscar uma cerveja, eu dizia que estava enjoado. Algumas pessoas riam, duvidando de mim. Eu então forçava umas ânsias de vômitos.

Era assim que me afastava, passando mal até encontrar um outro grupo de amigos. Andar faz bem. Logo eu vencia a indisposição para rir das brincadeiras coletivas, aceitando a garrafa de cerveja que passava de mão em mão.

Com sorte, conseguia ficar bêbado até a hora de começar o baile, quando eu pagava a entrada com orgulho, lembrando de meu pai, filho meu não pede nada aos outros, e me perdia no imenso salão, escuro como um caverna, iluminado apenas pelo pequeno globo que girava e girava no centro da pista. Com as mãos no bolso da calça, não por timidez, mas por amor à postura correta, eu contemplava aqueles que sabiam dançar.

E vinha a urgência de beber algo. Deixava o salão, a música tocava cada vez mais longe, rumo ao bar, iluminado demais para quem saía do ventre escuro da baleia. Os que não dançavam bebiam. Cada um comprava no balcão a sua garrafa de cerveja.

Eu não havia ainda ido à zona, mas estava informado de que lá as bebidas eram caras, e que as mulheres fingiam beber com você e, aproveitando de sua embriaguez, despejavam os copos num balde sob a mesa, tornando a conta uma enormidade.

– Nunca gostei de puta – eu falava, recusando os convites para ir à zona.

– Vamos só para beber – eles respondiam.

– Estou tentando parar com isso – eu revidava.

Mas ali no clube eu queria beber para me enturmar. Então contava as notas e entregava ao balconista, recebendo a primeira garrafa. Tomava um gole e saía pelo clube, para mostrar a todos que agora eu não passava mal do estômago.

Como meu dinheiro só dava para umas duas cervejas, era preciso economizar os goles. E ficar mais bêbado do que estava, impressionando assim os descrentes.

– Está gastando hoje, hein – alguém comentava.

Na segunda e última garrafa, eu já caía pelos cantos. Era desse jeito todo sábado.

– Coitado deste rapaz, tão jovem e já perdido na bebida.

Naquela noite, tropeçando nos próprios passos, fui para o banheiro, segurando a segunda garrafa, ainda pelo meio.

Tentando me equilibrar, mirei o vaso para acertar o piso. Alguém perguntou se eu ia mijar dentro da garrafa para fingir que ela estava cheia.

Eu me virei, subitamente sóbrio. Uma quentura tomou conta de minhas orelhas. O que ele estava pensando? Não falei nada, mas olhei para quem zombava de mim, o filho de um comerciante rico da cidade.

As pessoas no banheiro se aproximaram, fazendo um círculo em volta de nós dois.

Olhei o outro e olhei a garrafa com pouco mais da metade do líquido. E espatifei tudo no chão do banheiro, molhando as calças de quem estava mais próximo. Foi quando o segurança do clube chegou, um saqueiro que conhecia meu pai, afastando todos e pisando nos cacos. Não vi mais nada. Ele me acertou o nariz, bati a cabeça na parede, mas não caí, uma mão imensa me segurou pelo colarinho, ouvi uma costura rasgando – como iria explicar isso para minha mãe, que fazia minhas camisas?

Fui arrastado até o bar, as pessoas me acompanhavam. O presidente do clube apareceu, haviam denunciado meu crime.

– Você vai pagar esta cerveja – ele falou.

Tudo bem, eu ainda tinha uns trocados. Mas daí ele falou o preço. Dava para comprar um engradado de cerveja. Eu ri, sentindo o gosto de sangue na boca.

– Está rindo do quê, idiota?

Eu pensava que aquilo parecia a zona. Foi o que falei.

E recebi mais um soco do segurança. Alguém gritou chega. Não vi quem foi, pois fora atingido no olho. Soube depois que alguém pagara o valor estipulado por aquela cerveja de zona, me levando para fora do clube.

Zonzo, achei o caminho de casa, indo direto para meu quarto. Acordei na manhã seguinte com minha mãe gritando. O olho inchado, a fronha com sangue seco. E a frase que ela repetia:

– O que fizeram com meu filho? O que fizeram com meu filho?

Levantei da melhor maneira que pude e sorri.

– Não foi nada mãe. A senhora não viu o estado em que deixei os outros.

Ela cuidou de mim, me limpou, fez compressas. O pai foi até a casa de um conhecido que trabalhava no clube e voltou com uma história estranha, de que haviam batido em mim porque eu não tinha dinheiro. Cada coisa que inventam da gente! Enfiei a mão no bolso da calça e mostrei ao pai duas notas de um e algumas moedas.

Ninguém falou nada, mas algo mudou. Começamos a viver um período de prosperidade. A mãe achava muito mais dinheiro agora nos bolsos do pai e, para comemorar, eu sempre pagava bebida aos meus amigos.

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