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Naquele que com certeza é o ensaio mais importante produzido sobre o Paraná, Um Brasil diferente (1955), Wilson Martins corrigiu uma visão tríplice da composição do homem nacional que, segundo a clássica tese de Gilberto Freyre, seria uma mistura do índio, do negro e do português. Valorizando a variedade de nossa composição étnica, Wilson Martins a propôs como uma nova imagem do país.

Passaram-se décadas, o planeta se integrou pelo consumo e pelas tragédias, as fronteiras nacionais hoje são questionadas pela mobilidade das pessoas, que vivem breves experiências estrangeiras, e o mundo todo assumiu identidades movediças.

Assim, o que antes era o cosmopolitismo do Paraná talvez seja agora um sinal de provincianismo. De bom provincianismo. Porque, igual ao colesterol, tem o provincianismo benéfico e o maléfico. O fato é que, aqui, ainda podemos encontrar sinais das colônias estrangeiras tão combatidas pela ditadura Vargas. Elas foram e não foram absorvidas pela língua e pela cultural local. Mudam-se as superfícies, mas há um centro duro que permanece inalterado.

Uma de nossas muitas colonizações é a holandesa, já centenária, que tem dois epicentros (esta palavra está na moda) no Paraná – Castrolanda (no município de Castro) e a cidade de Carambeí, com suas belíssimas chácaras (onde eu sonho um dia morar) que se comunicam com o pequeno centro urbano.

Frequento nos finais de se­­mana esta última, levando meu filho para (lá na linguagem dele) "ver vaquinhas". Ex-agri­­cultor e ex-técnico agrícola sem propriedade rural, também sou susceptível aos chamados do campo. Paramos o carro diante de algum pasto e o gado leiteiro, afeito à presença humana, se aproxima para a alegria de meu filho, que está com dois anos e meio. Depois, nós nos deliciamos com as melhores tortas holandesas do país, no Fre­­derica’s Koffie Huis – na Ave­­nida dos Pio­­neiros, 1.010.

Já estivemos várias vezes na Casa da Memória de Carambeí, onde se encontram os objetos representativos daquela colonização. Na primeira vez, levei um susto. Eram quase que exclusivamente instrumentos de trabalho. Maquinários. Tratores. Equipamentos de cultivo do campo. Um ou outro quadro, umas araucárias, se não me engano, e só. Nunca me saiu da cabeça este conjunto de bens guardados como memória material.

Do ponto de vista histórico, mostra como a agricultura paranaense deve imensamente a esses colonos, que muito cedo mecanizaram o que foi possível mecanizar. Fizeram-se uma vanguarda por terem usado tratores e outras máquinas numa época em que o Brasil ainda penava com uma agricultura rudimentar, na base da força humana e animal. Somos um estado com uma grande agricultura porque desde o início os colonos europeus trouxeram suas conquistas tecnológicas.

Mas penso também como isso tudo influiu em nossa identidade. Tornamo-nos um estado obcecado pela ética do trabalho. Vinham para o Paraná aquelas pessoas dispostas a enfrentar adversidades, preparadas para toda a forma de ação prática. Isso nos marcou muito como povo. Temos uma grande capacidade para fazer coisas, para domesticar a paisagem, por mais áspera que ela seja. Os holandeses, por exemplo, inicialmente sofreram com o tipo de terra não muito fértil que lhes foi destinado. E, mesmo assim, por sua determinação e sua competência, triunfaram.

O técnico-agrícola que ainda há em mim muito admira esta herança industriosa, à qual tanto devemos. Esta talvez seja a principal marca do paranaense moderno, que venceu a índole mais contemplativa do homem local. O preço deste progresso todo talvez tenha sido uma menor tradição intelectual e artística, a julgar pela distância que há entre a nossa cultura e a nossa agricultura.

A titular da coluna, Marleth Silva, está em férias e volta dia 6 de fevereiro.

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