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Primeiro quero pedir desculpa por estar escrevendo em português. É que não domino a língua oficial. Acho muito bonito a maneira que vocês falam. Mas não entendo. E olha que estudei até a oitava série e tive aulas de inglês. Mas aprender mesmo eu não aprendi. Agora, isso não é mais problema. Ouvi dizer que houve uma reforma da língua brasileira e que todos vamos nos entender melhor. Então, como eu dizia, vossa majestade vá aí perdoando minha ignorância. Sou tão ignorante que não sabia como tratar o senhor. Daí perguntei pro meu filho e ele disse que devia ser assim, em respeito.

Eu tive a idéia de escrever esta carta por causa das vezes que vejo o senhor na tevê. Antes a gente não via muito o senhor. Mas de repente o senhor começou a aparecer a toda hora. Eu disse aqui pra minha mulher. O senhor Obama é um homem bom. Ela quis saber se eu conhecia o senhor. Sabe, eu já trabalhei no Rio de Janeiro, vendendo coisas na praia. E conheci muita gente famosa. Então, tem hora, tá passando uma novela e aparece uma mulher bonita e eu digo pra minha velha – é assim que a gente chama a mulher da gente aqui, senhor Obama, mas ela não é tão velha ainda –, e eu então digo pra ela: conheci essa atriz nos meus tempos de Rio. Por isso ela achou que eu conhecia o senhor, mas não conheço não, ou o senhor veio ao Brasil quando não era famoso?

Bem, como eu ia dizendo, desde o começo eu confiava na vossa capacidade de trabalho, e fiquei muito triste por não ter podido votar no senhor. Aqui em casa todo mundo votaria. Olha, seria por baixo, mas por baixo mesmo, uns 30 votos. A família é grande e eles me escutam muito. Acho errado a gente ter que votar apenas nos candidatos do país da gente. A gente devia poder escolher isso, o senhor não acha? Eu ia ser eleitor do senhor. Ia ser até cabo eleitoral. E trabalharia de graça. Porque todo mundo vê que o senhor é o maior homem do mundo, tirando o Papa, é claro. Mesmo não tendo votado, só porque esse nosso governo não deixa, o senhor por favor considere como se a gente tivesse votado. Tá certo?

Pois então. Os jornais na tevê dizem que o senhor está arrumando tudo. Daí dá uma raiva do nosso país. Todo mundo sabe que o Brasil é muito mais rico do que os Estados Unidos. E como é que os nossos políticos não arrumam nada? Seria mais fácil arrumar aqui do que aí? Por isso, todas as vezes que vejo as coisas que o senhor tá fazendo, eu digo pra minha velha, imagina se o senhor Obama também pudesse administrar o nosso país? Que coisa séria que seria? Minha mulher fica irritada: Ah, Izé (meu nome é José, mas ela me chama assim, de Izé), que conversa mais boba. Até parece patriotismo seu.

Eu sou mesmo patriota, senhor Obama. Se vejo esses nossos políticos falando que os Estados Unidos querem ficar com a Amazônia, que vão internacionalizar ela, e que isso é um absurdo, me bate uma revolta, o senhor nem queira ficar perto de mim. Quem são eles pra criticar? Eles só querem desviar os recursos naturais. Pensam que me enganam? Aqui para eles, senhor Obama. Por isso que sou patriota, e com orgulho, e torço pra que os Estados Unidos peguem logo ao menos a Amazônia, o senhor já imaginou todos aqueles indiozinhos nossos falando inglês, que coisa mais bacana que seria? E olha que, como eu já disse, sempre tive dificuldade pra aprender inglês. Mas acho a língua mais importante do mundo. Até nos filmes as pessoas falam inglês. E quando não falam o filme geralmente não presta. Então, como não ser patriota? Não é verdade?

Mas não pense que eu quero que o senhor faça guerra contra a gente, que nem o Bush fez lá com a turcarada. Não quero isso não. Tive uma idéia muito melhor. Sabe, senhor Obama, eu trabalho numa firma multinacional. É. Com carteira assinada e tudo. A firma era de uma família aqui da cidade, tinha crescido muito, daí morreu o dono, os filhos e netos começaram a tomar conta, e a coisa foi ficando feia. Sabe o que eles fizeram, procuraram uns ricaços nos estrangeiros e venderam a empresa. Nossa, tudo ficou dez. O senhor veja que até um uniforme novo eu ganhei. A comida do refeitório melhorou. A gente agora tem suco de laranja. Laranja natural. Falei isso em casa e meu filho disse que nos Estados Unidos é assim, todo mundo gosta de suco de laranja.

Se o pessoal do país do senhor mudou a nossa empresa, o que o senhor não faria se assumisse o governo do Brasil? Não pense que eu quero que derrubem o presidente. Não mesmo, senhor Obama. Patriotismo tem limite. Eu acho que o senhor devia assumir o comando do Brasil numa negociata, a gente transformando nosso presidente em rei. Elegia um rei a cada ano. Que nem no carnaval. Não seria uma coisa bonita? Enquanto o rei se divertia por aí, o senhor administrava o país.

Tenho certeza que o povo ia aprovar isso. Somos uma nação de afro-descendentes, que nem o senhor e a sua linda família. Se fosse num país da Europa, como a Argentina, acho que seria mais difícil, o senhor teria muita rejeição, mas aqui posso garantir que seria bem tranqüilo. E o senhor já parou pra pensar na vantagem pros nossos alunos? As crianças não sofreriam mais para aprender inglês na escola, desde pequeno todo mundo falaria esta língua clássica.

Escrevo para pedir que o senhor tente arrumar nosso país também. E pode desde já contar com uns votinhos por aqui.

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