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Entre as piores coisas do fim de ano está o fato de recebermos uma enormidade de spam, a maioria sobre promoção disso e daquilo, muitos com vírus, enquanto pouquíssimos são os e-mails dos amigos. Estes estão nas compras, preparando as festas, fazendo planos para o novo ciclo etc. Eu que não me dedico a nada disso, continuo com a vidinha de sempre e sinto falta dos diálogos que a internet me possibilita.

Embora haja tantas quinquilharias ofertadas para seqüestrar parcelas de meu décimo terceiro salário, ainda não encontrei o produto de que mais preciso neste período. Falei isso aqui em casa e me aconselharam a procurar num desses sites de compra. Acatei a sugestão e entrei num dos maiores sites do ramo, onde se vende tudo.

– Achou? – perguntou minha filha.

– Não, não tem.

– O que exatamente você está procurando?

– Uma caixinha de pontos finais.

– Ah, pai, vê se não enche – ela disse e se afastou.

Sonho com uma invenção, vá lá, utópica, que possa descomplicar a vida da gente. Seria muito prático ter muitos pontos finais de vários tamanhos. Um amigo fez uma cachorrada qualquer, daí pegamos um dos pontos, o maior deles, e colocamos na parte da memória que serve para recordá-lo. Ele não atrapalharia mais, entraria para uma espécie de arquivo morto. Você tem o velho projeto de aprender a tocar violão. E nunca consegue passar das primeiras lições e isso causa frustração, principalmente quando você vê Yamandu Costa fazendo misérias com o instrumento. Pegue então um ponto final e coloque nesta parte dos mecanismos interiores de desejo e guarde suas energias para outras coisas.

Quem sofre de crises depressivas no final do ano sabe quanto é importante possuir um pequeno estoque de pontos finais. Enquanto a indústria não desenvolve este produto milagroso, temos que usar imaginariamente o recurso de fechamento de frases e parágrafos de nossa vida.

Quando me perguntam o que se deve fazer para se escrever um texto claro, tenho uma resposta pronta:

– Coloque muitos pontos finais. E fuja do excesso de vírgulas.

O que tento praticar nos textos nada mais é do que um reflexo da minha vida. Gosto dos pontos finais. Quando posso usá-los, sei que estou cortando um cordão umbilical que já se alongou muito.

Pois bem, fiz esta introdução toda apenas para dizer que esta crônica é um ponto final.

– Última crônica do ano – pensará o leitor.

Mas é mais do que isso. Estou encerrando minha contribuição como cronista da Gazeta do Povo.

Só me tornei cronista extemporaneamente. Já era crítico literário, poeta, contista e romancista quando ensaiei os primeiros textos aqui, contrabandeando uma ou outra crônica num espaço destinado à crítica. Foi nestas páginas que surgiram, entre 2002 e 2003, quase todos os textos de meu livro Herdando uma biblioteca (Record, 2004). A partir desta experiência, mesclei crônica e crítica até me tornar apenas cronista.

Agora vem novo convite, para reformular minha colaboração, que mudará de dia (ele ainda não está definido). Mas o certo é que, de fevereiro de 2011 em diante, estarei me ocupando novamente com a crítica de livros, na tentativa de apresentar ao leitor as melhores opções editorais.

Ou seja:

– Ponto final. Agora abra novo parágrafo.

Entre um e outro, no entanto, haverá parênteses.

Em janeiro, aos sábados, escreverei crônicas interinamente no lugar da Marleth Silva, na página 3 do primeiro caderno.

PS. Agradeço aos leitores que acompanharam a coluna ao longo dos anos e aos jornalistas, ilustradores e editores da Gazeta do Povo que têm uma paciência enorme comigo. Registre-se que nunca sofri a menor censura neste jornal. Tudo que escrevi sempre foi publicado com todas as letras.

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