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Há uma polêmica na capital do estado: a vinda de Grandes Nomes da literatura brasileira para um encontro no Teatro Paiol, evento promovido pelo jornal Rascunho, Fundação Cultural de Curitiba e Sesi Paraná. Ricardo Corona sugeriu um boicote ao evento que conta com apoio público e do qual participam Affonso Romano de Sant’Anna, Ignácio de Loyola Brandão, Luiz Antonio de Assis Brasil, José Mindlin, Milton Hatoum, Luiz Alfredo Garcia-Roza e Nélida Piñon. São sim grandes nomes da nossa literatura, e alguns ainda são nomes grandes, como quer o Ricardo Corona.

Como fui citado neste texto, sinto-me tentado a entrar nesta polêmica. Falando da produção paranaense, Corona me colocou em lugar honroso: "Será que os organizadores desconhecem a obra de escritores como Wilson Bueno (cujo romance Mar paraguayo mereceu elogios de intelectuais como Chico Buarque)? E Valêncio Xavier (considerado por alguns críticos um dos escritores mais inventivos das Américas)? E Miguel Sanches Neto (recentemente ganhou o II Prêmio Binacional das Artes e da Cultura Brasil-Argentina)?" – minha resposta é que os organizadores não nos desconhecem – e esta pode ser a razão de não terem nos convidado.

Corona cita mais alguns nomes importantes do Paraná que não estão presentes no debate – Jamil Snege, Sérgio Rubens Sossélla e Paulo Leminski. Se não estou enganado, todos são autores defuntos. Acho um absurdo os organizadores ignorarem os finados – deviam ter sido convidados, nem que o fossem com a intervenção de um terreiro de macumba. Acredito que até dispensariam o cachê, porque escritores, depois de mortos, conseguem viver muito bem de direitos autorais.

Não me perguntaram se concordo ou não com os motivos do Ricardo Corona, que quer uma presença maior de nossos produtores em eventos oficiais. Também não me perguntaram nada sobre a escalação da seleção brasileira, o que acho descaso ainda maior, principalmente por eu não entender nada de futebol, aliás como a grande maioria dos torcedores e jornalistas esportivos. Mesmo assim, aqui vão algumas idéias.

O governo devia instituir a obrigatoriedade de os pais de todos os escritores que quiserem publicar livro no Paraná serem nascidos aqui. Com isso, teríamos mais oportunidades de mostrar como nossa literatura é grande, pois todos sabem que a concorrência com centros mais desenvolvidos é desleal. Recentemente, a Secretária do Estado de Educação já demonstrou esta preocupação ao cortar da lista de compra de autores paranaenses (digo, de livros de autores paranaenses), os títulos que não fossem impressos aqui. É uma atitude corajosa que deve ser seguida por todos os órgãos públicos. Sugiro também que as obras de arte em geral que não utilizem matéria-prima genuinamente paranaense não sejam patrocinadas pelo poder público. Ações como esta garantem a identidade local.

Outra medida necessária é a criação de políticas afirmativas. Devemos obrigar todos os eventos a ter uma cota destinada ao mais variados estilos literários, assegurando a participação dos excluídos, como autores experimentais, literatura feminista, literatura homossexual, literatura negra, literatura de donas de casa, literatura de Academias de Letras locais (elas se espalharam por todo o estado e hoje concorrem apenas com a Casas Bahia) etc.

A princípio, sou solidário ao boicote, mas gostaria que avançássemos nestas garantias por uma cultural local forte, bem representada na sua variedade.

Estava escrevendo este protesto quando me lembrei de contatar meu mestre a amigo John Updike. Liguei para sua casa nos Estados Unidos.

– Joãozinho, mermão – eu disse.

Parênteses: desde que Updike leu um conto meu traduzido para o inglês, ele se dedicou a aprender português para ler minha obra no original. Estou tentando convencê-lo a ler também o resto da literatura brasileira, gente que não faz feio lá fora, como Machado de Assis, Clarice Lispector e Guimarães Rosa, mas o homem está irredutível: "Nada se compara ao seu texto, Miguelito".

– Hola, que tal?

– John, desculpe incomodar, mas queria sua opinião num assunto polêmico.

– Que venga el toro – americano nunca consegue distinguir o português do espanhol.

– Seguinte: o que você acha de eu escrever um artigo defendendo a lógica estatal de cultura?

– Olha, nós das humanidades, não importa se nos dizemos literatos ou eruditos, somos fascinados e encantados pelo poder, e ansiosos por agradá-lo.

– Isso significa que devo me aproximar do governo?

– Nada disso, meu nego, você deve amar seu governo no mesmo grau e medida em que ele deixa você em paz.

– Mas como vou conseguir participar do programa de lei de incentivo à cultura?

– Tenha como única ambição pessoal: viver do trabalho de sua pena. Prefiro ter como patrono uma hoste de cidadãos anônimos que tiram dinheiro de seus próprios bolsos para comprar um livro do que de um pequeno corpo de indivíduos esclarecidos e responsáveis administrando fundos públicos.

Desliguei o telefone por causa do preço da tarifa internacional e fiquei meditando sobre este conselho. Perguntei-me: o que você quer dos governos e dos administradores culturais, don Miguelito?

– Aplauso, muito aplauso – um diabinho dentro de mim disse, sorrindo.

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