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– Quem diria, amanhã faz quatro anos de seu nascimento, hein?

– Só isso? Nem dá pra acreditar.

– O tempo voa – digo.

Ele suspira profundamente:

– Não do lado de cá.

– Ei, como é que sabemos o que é lado de cá e lado de lá?

– Aí do seu lado tudo é muito rápido. Aqui, muito demorado.

– Não estou certo se estou mesmo do lado de cá. O que você acha?

– Difícil de dizer, ainda não aprendi muita coisa por aqui.

– Acho que nunca aprendemos nada.

– É bem provável. Estamos velhos demais para aprender.

– Ou novo demais.

– Eu sou novo deste meu lado, mas velho aí do seu lado.

Faz-se um silêncio, não queremos ficar neste jogo de palavras. Então pergunto.

– Turco, como é escrever na eternidade?

– Canseira, uma grande canseira. Mesmo a eternidade é curta para quem quer produzir algo mais extenso.

– Então não conseguiu terminar o romance definitivo, O grande mar redondo?

– Nada é definitivo, nem a eternidade.

– Não fuja da pergunta. Está ou não trabalhando no livro?

– Quando sobra tempo, trabalho meio sem vontade.

– Mas agora, sem os compromissos, não ficou mais fácil?

– Aqui também tem chateações.

– Não imaginava isso.

– Pois é, sabe, sempre aparecem uns anjos precisando de uma campanha publicitária.

– Ah, os políticos!

– Parece praga, né. Uns anjos e uns santos que concorrem a cargos e precisam de meus préstimos. No momento, estou ajudando um santo que quer ser canonizado.

– Aí também?

– Pois é, mas este meu cliente... Posso chamar de cliente, não posso?

– Não vejo problema.

– O meu cliente tem chances de vencer as eleições.

– E já bolou algum slogan?

– "Só o Senhor é santo". O que você acha?

– Soa bem. E tem apelo.

– Talvez seja o primeiro santo assumidamente pecador.

– E as coisas boas do sem-tempo? – eu queria levar a conversa para outro rumo.

– Tenho um quartinho aqui e não pago aluguel. Verdade que é um pouco pequeno, e numa região desvalorizada.

– Amizades?

– As de sempre, os perdidos, os que não deram certo na vida eterna.

– Jogam baralho nas tardes monótonas?

– O jogo está proibido por decreto divino. Mas a gente passa o tempo falando mal dos outros.

– Isso não mudou nada.

– É verdade – ele ri com satisfação.

– Quem poderia dizer que se passaram 4 anos desde que você morreu. Amanhã vou ler um de seus livros.

– Falar nisso, como andam meus livros? Enfim faço sucesso? – eu esperava esta pergunta.

– Tudo do mesmo jeito. Você continua não sendo editado. Embora seja sempre mencionado por gregos e agregados.

– Usam meu nome em vão?

– Você ficou mesmo meio bíblico, hein? – e depois e uma breve pausa: – Usam sim seu nome em vão.

– E pagam direitos autorais por isso?

– Pagam não, turco. Sabe como são os caras. Apropriam-se de tudo sem dar a menor satisfação.

– Ao menos já sou nome de rua, de escola, de biblioteca, alguma coisa assim?

– Não que eu saiba – digo, e ele emudece. – Queria desejar um feliz aniversário de morte. Você está me ouvindo, turco?

Espero um minuto e Jamil Snege no além não responde. O telefone continua produzindo um chiado distante.

– Você está me ouvindo? – eu insisto. – Está ou não está me ouvindo?

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