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Nunca consegui responder de forma direta certos questionamentos simples como:

– De onde você é?

Fico em silêncio uns segundos e começo a contar um pouco de minha vida, que nasci em Bela Vista do Paraíso...

– Então você é belavistense?

As pessoas querem respostas rápidas e precisas.

– Não, não. Eu não me sinto de lá. Deixei a cidade muito novo, aos 4 anos, e fui para Peabiru...

E assim vou resumindo minha trajetória, para desespero do eventual interlocutor.

– Então você é de onde? Tem que haver um lugar que você sinta como próprio.

– Sou de todos os lugares por onde passei, e de alguns que nem conheci.

É desta forma que tento terminar a conversa.

Outra pergunta que sempre me embaraça é sobre minha profissão.

– O que você faz?

Do ponto de vista mais formal, sou professor. Mas me resta sempre dar explicações.

– Professor de qual disciplina?

E aí a coisa se complica.

Não sou professor de Literatura Brasileira. Nem de Teoria Literária. Muito menos de Língua Portuguesa. Sou um professor de literatura – com minúscula, e no genérico. Não tenho nenhuma linha teórica, não cultuo modismos universitários. Ou seja, não possuo um lugar dentro do disputado campo de poder do ensino universitário.

Então é melhor calar quanto à minha especialidade.

Nessas horas, depois de dizer que sou professor, sempre complemento:

– Mas também escrevo em jornal.

– Então você é jornalista?

– Pelo-amor-de-Deus, não diga uma coisa dessas! Não tenho diploma de Jornalismo.

– O que de fato você faz no jornal?

– Sou cronista, crítico literário eventual; de forma mais ampla, sou colunista.

– Ah, agora entendi.

– Mas sou também escritor.

Atividade que, por enquanto, não precisa de diploma de curso superior. Mas logo chegaremos lá. Enquanto isso não acontece, vou exercendo meio ilegalmente a profissão.

Profissão é a maneira de dizer.

Quando me hospedo em hotel e tenho que preencher o campo próprio a este dado, declaro-me professor, mesmo que esteja em ambientes literários.

Tempos atrás, para desqualificar um livro meu, o resenhista me acusou de funcionário público que fazia literatura. Isso me deixou bastante orgulhoso. Lembrei (data vênia) de Carlos Drummond de Andrade, poeta e funcionário.

Sempre foi assim no Brasil, país onde ainda não há um mercado para nossa literatura.

Esta falta de profissionalização tem, no entanto, um lado positivo, pois a multiplicidade de funções nos coloca em situações sociais reais. Não somos apenas os artistas escrevendo em um mundo de exceção, afastados dos problemas do comum das pessoas. O escritor é um igual.

Como não podemos viver de direitos autorais, vamos levando uma vida torta, defendendo-nos em muitas frentes, conhecendo melhor as mesquinharias humanas, e usando tudo isso em nossos textos.

Mas mesmo a pergunta mais importante para a recepção de um livro eu não consigo responder.

– Que tipo de literatura você faz?

Se eu tivesse alguma certeza estética, poderia dizer:

– Faço literatura experimental!

E ninguém me questionaria mais.

O experimentalismo, em países sem leitores, é uma maneira charmosa de desprezar o público – um público que nem existe.

– Dane-se – é isto que o texto experimental diz a todos que não detenham teorias universitárias para compreender as intenções pretensamente profundas de uma obra (ah, novamente o problema do diploma).

Se eu fizesse uma literatura de reivindicação, de valorização dos excluídos, também estaria salvo:

– Faço literatura sociológica!

(As exclamações são para mostrar convicção.)

E ninguém repararia nos problemas do texto, nas gírias e na falta de inteligência própria desta facção narrativa.

Num país com tanta miséria, colocar em primeiro plano os excluídos é uma garantia de interesse jornalístico.

Quando querem saber qual é a minha pegada, ao invés de me declarar em poucas palavras, começo a falar que escrevo textos que tentam ser desiludidamente humanísticos, etcétera e tal.

O problema é que ninguém tem muita paciência com quem não dá logo o seu recado, vestindo um rótulo, defendendo uma causa.

Da minha parte, não consigo dizer assim, de uma vez, o que sou. Formado em discursos fronteiriços, continuo acreditando na arte como deslocamento, como desconforto pessoal e coletivo.

Por isso, perdoem-me se sou inconveniente.

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