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Livro

Lance Mortal

William Faulkner. Tradução Wladin Dupont. Editora Benvirá. 256 págs., R$ 34,90. Contos.

Conhecido pelas inovações narrativas, William Faulkner (1897-1962) também escreveu sem excluir o leitor comum. Este é um dado pouco valorizado em sua produção, o que explica o fato de só agora sair no Brasil a sua coletânea de contos policiais – Lance Mortal (Benvirá, 2012) – publicada originalmente em 1949. Diga-se: são contos policiais na versão de um grande escritor, por isso eles vão muito além do exercício de resolver crimes.

Um advogado culto e solitário, Gavin Stevens, é o elemento que amarra as seis histórias do volume. Sem obrigação formal, ele busca a verdade a qualquer preço (é baleado em "Mãos sobre as Águas"), tentando viver à sombra dos fundadores do povoado de Jefferson, no condado mitológico de Yoknapatawpha – a Macondo de Faulkner. Em alguns contos, ele prepara o seu sobrinho, levando-o às suas expedições, para que ele incorpore esses valores.

Jefferson se orgulha de ser uma comunidade em que todos se conhecem, e por isso autorregulada. Mas ela passa por um processo de desenvolvimento, sujeita ao ingresso de pessoas de fora: "Foram as boas estradas e os Fords que não só trouxeram Monk a Jefferson como também a informação um tanto rumorosa sobre sua origem" (p. 45). Um outro criminoso, Joel Flint, é definido da mesma forma: "Ele era o estrangeiro, o forasteiro, o ianque que viera ao condado três anos atrás" (p. 109). O criminoso ou o elemento desestabilizador é sempre um recém-chegado, mostrando que a proteção do lugar está em perigo. Buscando conhecer a estirpe de cada um, Gavin se revela um homem voltado ao passado – traduz passagens do Velho Testamento e se orgulha de ter estudado na Europa –, exercendo, portanto, uma força estabilizadora. Toda essa sua correção moral chega a ser questionada pelo governador: "o senhor está tentando trazer de volta as ideias de 1860 à política dos anos 1900" (p.59).

Os crimes estarão ligados a essas figuras que aparecem do nada e promovem distúrbios sociais. Aventureiros pobres ou abastados, eles são sempre mal vistos. É um homem poderoso que aparece mudando a lógica de uma família recatada em "Lance Mortal". Ele se casa com a herdeira e transforma a fazenda da família em um lugar moderno, em que se dão festas cosmopolitas, expondo a cidade à presença de estranhos. Neste conto, quase uma novela, entendemos a figura de Gavin Stevens. Apaixonado no passado pela herdeira, agora viúva, descobre-a exposta a um novo forasteiro, um capitão argentino, acusado de se interessar tanto pela mãe quanto pela filha. Para resolver um plano de assassinato – o filho da viúva tenta matar o argentino por ciúmes –, Gavin revela toda a sua história pessoal.

Ele fora um jovem presunçoso que, por isso, perdera a noiva. Tem a chance de concluir a sua história de amor às vésperas da velhice. Reconciliando-se com a antiga amada, com quem se casa, ele se pacifica também com o gaúcho, que se une à sua enteada, renunciando à cidadania argentina para se alistar no exército norte-americano durante a Segunda Guerra Mundial. O outro faz isso por um motivo sentimental: como gostava muito de cavalos – é comparado a um centauro quando está sobre sua montaria –, indigna-se com o fato de o exército nazista ter abolido a cavalaria, tida como coisa do passado.

Nestes contos, William Faulkner constrói personagens nostálgicos, que querem viver isolados num tempo e num espaço, forçando a história a retroceder minimamente. Os crimes e o mecanismo das narrativas policiais são meras estratégias para falar ao grande público sobre a necessidade de frear um progresso desumanizador.

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