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Antigamente uma das diversões que tínhamos era ouvir as historias contadas pelos mais velhos. A curiosidade sobre fatos acontecidos, lendas, invencionices, assombrações e outras tantas conversas feitas normalmente após o jantar faziam com que a criançada usasse a imaginação para interpretar o que estava sendo narrado. Hoje nada mais disto existe, a televisão é a grande contadora de histórias, o computador faz às vezes dos quintais e jardins. Poucos jovens se dedicam a leitura, de qualquer espécie de leitura.

Outro dia num papo de bar contávamos as nossas peripécias quando servimos na Polícia do Exército no Rio de Janeiro, que ainda era a capital da República, isto há cinqüenta anos passados. Como nos bares geralmente se reúnem caçadores, pescadores e outros tipos de mentirosos nossos relatos não foram levados muito a sério. O pessoal se entreolhando talvez com vontade de dizer que estavam sendo logrados em ouvir tais bazofias do velho aqui. Acredito mesmo ter passado por fanfarrão.

O papo foi longe, voltamos a Curitiba do passado, lembramos dos colonos de Santa Felicidade quando suas mulheres partiam de madrugada para o centro da cidade transportando em suas carroças as verduras, frutas e outras mercadorias que produziam. O desfile das carroças pela estrada no alvorecer mais parecia uma caravana destinada a invadir a cidade, e de fato era. As italianas tomavam conta das ruas tocando seus cavalos, Úia! E espargiam seus gritos de guerra: Fijon! Cibola! Mio verde! Ripoio! Cove! Arfácia! A imaginação dos que ouviam não era capaz de formar a imagem da tal caravana das italianas. Eta velho fanfarrão!

E quanto às boiadas que passavam tangidas pelas ruas da cidade com destino ao matadouro? Cansei de ver grupos de cem reses ou mais passar pela Avenida do Batel. Quando isto acontecia vinha um boiadeiro a cavalo avisando para os moradores não saírem para a rua. Meu pai lembrava que pela década de vinte era corriqueiro os colonos conduzirem grandes porcadas também pelo meio das ruas para venderem os porcos aos abatedouros.

Conversa vai, conversa vem, contamos a última história da noite. Foi quando trabalhamos ajudando a montar uma ossada de baleia na Rua Coronel Dulcídio em 1953. Os enormes ossos vieram de Cabedelo, quando ainda se caçavam baleias na costa do Nordeste brasileiro. O dono da tal carcaça conseguiu um enorme tacho de fazer sabão na firma Irmãos Campos Hidalgo e o colocou no terreno ao lado da Escola de Farmácia, pois no local morava o famoso professor Lucachewski da Universidade do Paraná e especialista em conservação de cadáveres e montagem de esqueletos.

Jovem, com 17 anos, o degas aqui foi convidado a trabalhar na preparação do esqueleto do que seria a famosa baleia azul. Bem feito! Quem mandou peruar. A curiosidade me arrumou um trabalho inusitado, ferver a ossada no tal tacho que tinha dois metros e meio de altura por dois de boca. Fogo com lenha de metro demorou dois dias para aquecer a água. Na borda do tacho havia uma espécie de passadiço com cinqüenta centímetros de largura. Era por onde andava o bisbilhoteiro aqui, mexendo com um enorme varejão a sopa de ossos gigantes para que os mesmos ficassem limpos dos resíduos de carne e gordura. Sentia-me como o próprio Belzebu cozinhando almas penadas no meio do inferno. Penados ficaram os habitantes do Batel com o terrível cheiro expandido pelo óleo de baleia cozido e isto durou além de um mês. Finalmente limpa a ossada montada foi exposta em uma tenda colossal na Praça Tiradentes.

Os meus ouvintes olhavam-me como se estivessem diante do Barão de Münchausen. Como eles se espalharam publico as fotos que se seguem sobre os fatos que contei.

Temos ilustrando a Nostalgia deste domingo duas fotos das italianas de Santa Felicidade com suas carroças, imagens gravadas pelo fotógrafo Sérgio Matulevicius, já falecido.

Também duas fotografias feitas na década de vinte na então Rua da Graciosa, no Bacacheri, onde vemos uma porcada sendo conduzida para o abatedouro.

Terminamos com a fotografia da ossada da baleia exposta em 1953 na Praça Tiradentes. O cara de mão na cintura é este escriba aqui, o que ferveu o que restou do pobre cetáceo. Ao lado aparece um dos carpinteiros que montaram a tenda. A fotografia foi tirada pelo amigo Manfredo Schiebler, que não vai me deixar mentir sozinho.

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