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 | Gilson Janchuky
| Foto: Gilson Janchuky

Natal de 1922, Buenos Aires. Maria Gregória Aranda era uma niña de 1 ano. Natal de 2010, Curitiba. Perla é uma ex-bailarina e cantora de 88 anos. Entre um e outro, passaram-se décadas de uma vida glamurosa, de altos e baixos pessoais e profissionais. Amores, palcos, cassinos, estúdios de tevê, en­­saios, excursões, passos perfeitos de tango encantando aqui e acolá. Corpo esguio, voz forte, porte de uma verdadeira dama de rojo. Mulher nota 10. Ontem, uma estrela. Hoje, uma figura frágil, curvada, de voz quase inaudível. As pernas, um dia ágeis e voluptuosas como se requer das bailarinas portenhas, já não se locomovem mais como antes em busca do sonho de ser artista. Seu palco iluminado agora são os corredores e salões do Asilo São Vicente de Paulo, onde Perla – seu no­­me artístico – vive há cinco anos com um "grande elenco" de 149 colegas com histórias de vida que dariam sim um bom enredo. Nos intramuros do casarão rosa do Cabral, que já abrigou a Casa Cor, ela ziguezagueia em cadeira de rodas graças à mão carinhosa dos funcionários do asilo. A vida já não lhe é mais tão colorida.

No dia em que conversou com a coluna, Sérgio, seu único filho, a visitava com a esposa, Letícia. Um dos poucos instantes em que seus olhos negros se iluminaram e um sorriso fugaz se apresentou na face cotidianamente resignada. Sérgio, de 53 anos, é fruto de um romance duradouro de Perla com um empresário curitibano casado que ela conheceu durante uma apresentação da companhia em que trabalhava no Cassino do Ahú. Ao voltar para Buenos Ai­­res, descobriu-se embarazada. Curitiba entrava definitivamente em sua vida. Retornou para ter o bebê e aqui ficou um bom punhado de anos. Seguiu para o Rio de Janeiro, onde já morara uma vez, quando se apresentava no Cassino da Urca. Lá integrou o corpo de bailarinos que fez a primeira abertura do Fantástico – o show da vida. Fez pontas em novelas – entre elas Sara­­man­­daia – e em filmes, quando conheceu globais hoje consagrados, como Suzana Vieira, que ela citou especificamente. Mas a carreira não decolou e Perla voltou a Curitiba para cuidar do filho, que se acidentara com uma motocicleta. A ficha caiu e por aqui ficou.

Sérgio conta que até hoje não sabe se foi seu pai que a obri­­gou a desistir da vida artística ou se lhe faltaram oportunidades. Fato é que Perla foi ga­­nhar o pão nosso de cada dia co­­mo micro empresária. Mon­­tou um ateliê de costura e de­­pois uma agência de empregos, mas sempre com um olho na realidade e outro na fantasia. Era uma mãe super protetora e sonhadora ao mesmo tempo, entrega o filho, músico e professor de artes em escolas públicas de Curitiba. "Não faça como eu, que desisti", dizia para o ra­­paz, que perdeu o pai há alguns anos. Pergunto o que mais gosta de fazer na vida. "Tenho vontade de cantar", murmura baixinho. "O que?". "El dia que me quie­­ras". "Gosta daqui [do asilo]?". "Gosto, fiz amigas", vai dizendo, palavra por palavra, até que me despeço e agradeço a atenção. "Desculpe alguma coisa", ouço. A voz soa como um adeus que se aproxima, talvez amanhã, um fechar definitivo de cortinas, sem bis, aplausos que se ouvem apenas na memória. "Si tus ojos negros me quierem mirar! Y si es mio el amparo" é apenas um refrão longínquo no fantástico show da vida de Maria Gregória Aranda, aliás, Perla. Eterna­­mente.

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