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Sou apaixonado por livros, velharias e boas histórias. Sou apaixonado por histórias que têm como ponto de partida manuscritos esquecidos. Não foi de graça, portanto, que acabei encantado por uma notícia publicada recentemente dando conta da descoberta, em um alfarrábio medieval, de uma receita médica capaz de dar fim a uma bactéria que há décadas desafia o arsenal de antibióticos.

A história começa na universidade inglesa de Nottingham, onde duas pesquisadoras de segmentos científicos absolutamente distintos – Língua Inglesa e Microbiologia – iniciaram um projeto voltado à investigação de antigas formas de combate a infecções.

Seu objeto de interesse foi uma encadernação em couro guardada na Biblioteca Britânica. A obra, um manuscrito conhecido como Bald’s Leechbook (sendo leechbook, no contexto, algo como “livro do aplicador de sanguessugas”), foi produzida entre os séculos 9.º e 12 como compêndio de soluções médicas que, hoje, consideraríamos ingênuas, inócuas ou associadas ao pensamento mágico.

Da obra, selecionaram uma receita para o tratamento de infecções nos olhos. Inicialmente, traduziram os ingredientes e as medidas do inglês antigo, repleto de notas anglo-saxônicas, para o inglês moderno. Em seguida, reuniram as substâncias prescritas – dentre as quais estavam cebola, alho e parte de um estômago de vaca espremido em um vaso de cobre – e as misturaram seguindo as medidas e os passos indicados.

Quantas receitas ainda vão renascer de velhos alfarrábios?

Pois o remédio não só se mostrou plenamente eficaz em relação aos microorganismos causadores do terçol, como também foi capaz de destruir colônias do Staphylococcus aureus MRSA, superbactéria resistente a antibióticos e responsável por graves infecções hospitalares.

A principal descoberta decorrente da validação da receita, concluíram as pesquisadoras, não residia nos ingredientes, conhecidos há muito tempo por suas propriedades bactericidas, mas nas proporções utilizadas para a produção do remédio. Em outras palavras: por tentativa, erro e acerto, os antigos anglo-saxões chegaram a uma cura que acabou esquecida por pertencer à pré-história da ciência.

O caso é interessante em vários aspectos, a começar pelo da comunhão entre cientistas de áreas tão distintas, algo pouco comum em um ambiente que, muitas vezes, hierarquiza as ciências segundo graus de “dureza”. É digno de respeito, também, por lançar um olhar mais sério a soluções nascidas fora da atual ciência, e por inspirar outros trabalhos que tiram saberes tradicionais da marginalidade. Vale, enfim, porque é uma história digna de um bom livro: quantas receitas ainda vão renascer de velhos alfarrábios?

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