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A pergunta é boa. Em um tempo tão estranho como o que estamos vivendo, sinto saudade das histórias ambientadas na Guerra Fria. Dos enredos literários de Frederick Forsyth, John Le Carré, Tom Clancy e outros escritores que vendiam uma sabedoria danada e pouco confirmável sobre o que rolava na geopolítica termonuclear.

Saudade ainda mais estranha daquelas imagens televisivas de má qualidade, contrabandeadas por algum satélite espião, dos desfiles de Primeiro de Maio na Praça Vermelha, em Moscou. Eles lá, os danados, desfilando em passo de ganso e apresentando um novo míssil balístico capaz de varrer Nova York do mapa com um único espirro do secretário-geral do Partido Comunista. E nós aqui, com um medo miserável de algo bem conhecido.

Nostalgia dos filmes do Chuck Norris, tão rústicos, pérolas alegóricas em que todos os inimigos eram vietcongs com a mesma cara e as mesmas perversidades meio lúbricas. Lembrança, enfim, de um tempo em que o máximo da tecnologia eram os relógios Casio com jogo embutido.

Os relógios Casio com jogo embutido deram lugar a smartphones cheios de recursos e possibilidades instantâneas de aumentar a cacofonia global

Saudade, na verdade, de nenhuma dessas tolices da indústria cultural, mas daquela espécie de “paz binária” nascida da percepção de ameaças claramente identificáveis.

As coisas, evidentemente, não eram tão simples e nem tão alegres – muito pelo contrário, como demonstraram as guerras de independência dos países africanos e as guerrilhas na América Latina. Mas, no mínimo, elas constituíam uma espécie de todo coerente na cabeça de um piá que ainda encontrava espaço para soltar pipas e derrubar latas com tiros de espingarda de pressão nas ruas do Ahú de Baixo.

Hoje, o enredo da história anda muito mais para O Homem na Multidão, de Edgar Allan Poe, para a fluidez eterna das análises de Zygmunt Bauman e até – coisa triste – para uma afirmação gloriosa da tese de Samuel Huntington sobre o choque de civilizações.

E os relógios Casio com jogo embutido, tão lineares em seu placar que zerava depois de 9.999 pontos, deram lugar a smartphones cheios de recursos e possibilidades instantâneas de aumentar a cacofonia global com opiniões tão azedas quanto desprovidas de conteúdo. Haja paz... e haja paciência.

P.S.: Enquanto escrevia esta coluna, descobri que em 2013 Frederick Forsyth lançou um livro – The Killer List, publicado no Brasil em 2014 com o título A Lista – envolvendo a luta contra os jihadistas. Se a história tiver 30% da qualidade de O Dossiê Odessa, estou aceitando como presente de Natal.

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