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Irritado com o momento, troco o Facebook pela biblioteca em busca de paz. E encontro um belo livro sobre a história dos reinos da Península Ibérica, repleto de visigodos, emires, judeus, cristãos velhos e novos, cavaleiros, reis, rainhas, padres e freiras. E, o esperado, de uma enormidade de atos monstruosos perpetrados em nome do poder.

O sutil aroma imaginário dos séculos passados que emana das folhas amareladas é suficiente para acalentar a leitura. Que fica mais instigante porque parece fornecer algumas pistas sobre o Brasil contemporâneo.

É tentador, por exemplo, comparar o isolamento das elites dos séculos 15 e 16 – nobres e religiosos que negociavam entre si e relegavam a nação ao plano do “cumpra-se ou morra” – ao dos nossos próprios políticos, que, apesar de bafejados na nuca pela ira popular, insistem em repetir, cegos, as mesmas rotinas fisiológicas e desconectadas de uma visão do todo.

Quando a vergonha não se instala “de dentro para fora”, o meio ambiente tende a imprimi-la “de fora para dentro”

Parece clara, também, a herança de uma configuração política que não vê limites entre o público e o privado. Em Castela e Aragão, por exemplo, governar era um empreendimento da família real e da nobreza associada, e tudo o que entrasse nos cofres era de propriedade privada. As capitanias hereditárias que concederam ao Brasil uma primeira estrutura de gestão eram projetos de exploração mercantil voltados ao enriquecimento de algumas famílias e nada mais. Sem percepção de povo ou projeto de país.

As propinas e as mordomias de nossa época são diferentes, até porque, no caso dos reis, havia a evocação de um direito divino, enquanto hoje resta aos pilantras a alegação cínica de vigência de um “direito consuetudinário”. O DNA de ambos os grupos, porém, parece o mesmo, ligado, como queria Nelson Werneck Sodré, a um mandonismo patriarcal, um mercantilismo acumulador, uma incapacidade de percepção do bem público e um desligamento em relação ao conceito de nação.

As novas gerações de políticos brasileiros, a despeito do Iluminismo, das revoluções, do espírito republicano e da democracia, simplesmente não perderam essas memórias “genéticas”, que parecem emergir assim que se chega ao poder. Um caso que, por ser civilizatório – ligado à conformação psíquica das vergonhas e dos impedimentos pessoais –, se mostra complicadíssimo, como confirmamos toda vez que lemos o jornal. E é aí que mora o perigo: quando a vergonha não se instala “de dentro para fora”, o meio ambiente tende a imprimi-la “de fora para dentro”, algumas vezes com violência. Nos resta lutar, torcer pelo melhor e, encaminhamento civilizatório, qualificar o próprio voto nas eleições deste ano.

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