É realmente um equívoco imaginar que, em meio ao turbilhão tecnológico no qual estamos enfiados, as pessoas já não sejam tocadas pela magia envolvida no processo da ciência. A avalanche diária de novidades como aplicativos geniais, smartphones e drones pode até enganar, embotar os sentidos ou converter o cidadão em uma espécie de “agente blasé” – o famoso chato sociológico que não reage a nada porque está empanturrado de tudo –, mas, no fundo da alma, ainda parece existir uma saudável chave de maravilhamento.
Essa, pelo menos, é a crença que assumi no último domingo, quando testemunhei um caso interessante no Cristo Rei. Vinha eu pedalando pela ciclovia quando escutei o apito do trem, som que é uma espécie de chamado, um curioso apelo ao mesmo tempo ancestral e recente. Ancestral, porque os trens fazem parte da vida das pessoas há 200 anos; e recente porque, inconscientemente, a tecnologia ferroviária evoca a novidade, aquela conquista da Revolução Industrial que, por seu enorme poder de transformação social, virou uma espécie de símbolo eterno do “Admirável Mundo Novo” moldado em aço e movido a vapor.
O apito do trem é uma espécie de chamado, um curioso apelo ao mesmo tempo ancestral e recente
Em questão de minutos, o trem do Cristo Rei estava comigo, nos trilhos que passam ao lado da ciclovia (a ciclovia, na verdade, só existe no trecho que vai do Rebouças ao Estribo Ahú por causa da via férrea). E eu segui com ele, aumentando um pouco a velocidade para brincar de emparelhar e, de quebra, examinar os grafites de letras gordas e coloridas que tomam boa parte dos vagões.
Foi quando percebi várias pessoas – caminhantes, corredores, motoristas e passageiros dos carros à espera da passagem da composição – sacando seus celulares e registrando imagens do comboio. No mínimo, reduzindo os passos para testemunhar a novidade que, curiosamente, circula por ali todos os dias há muitas décadas. Um trem, de certa forma, é como um relógio cuco: quando o passarinho coloca a cabeça para fora da porta, é difícil não olhar.
Em questão de minutos, a composição desapareceu, a caminho, imagino, da Serra do Mar. E a vida no Cristo Rei voltou ao normal, com a diferença das imagens gravadas no celular, provas de última geração do enorme valor arquetípico de uma antiga tecnologia.
PS: Para muitos curitibanos, trens cortando a cidade são apenas um anacronismo que incomoda e oferece riscos reais. Essa perspectiva não deve ser desprezada, especialmente em uma semana pré-eleitoral que bem poderia resgatar o tema do contorno ferroviário de Curitiba. Isso, porém, não invalida as percepções da beleza e do estranhamento que os trens ainda despertam.
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