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O adolescente caminha em minha direção completamente distraído. Em vez de trazer os olhos presos à tela de um smartphone, porém, examina com atenção devocional o mostrador do próprio relógio de pulso, um cebolão analógico verde esmeralda, coroa cheia de números e três botões em aço inoxidável do lado direito da caixa metálica. Venerável relógio de mergulhador modelo Orient King Diver, como percebi assim que colei os olhos também.

Muito parecido, aliás, com o King Diver que arrematei com meu primeiro salário de jornalista, há muito tempo. Lembro da compra como se fosse hoje, inclusive de ter saído da Relojoaria Progresso, na Praça Tiradentes, tão mesmerizado pela máquina quanto o jovem que vai cruzando o meu caminho.

No ano passado, a venda de discos de vinil superou, em lucros, a de downloads de música no Reino Unido

Em meu tempo de guri, porém, essa era a expressão máxima, consolidada, da magia tecnológica – um relógio de verdade, capaz de resistir às pressões abissais com todo charme, mesmo que jamais ultrapassasse a profundidade máxima da piscina do Clube Três Marias. Na época, os celulares eram coisa de filme de ficção científica e os computadores, acredite se quiser, rodavam programas de jogos em fitas cassete comuns. A gente conectava o gravador ao computador, o computador à tevê da sala, ligava e saía para tomar um Nescau gelado ao mesmo tempo em que rezava para que o software funcionasse. Tecnologia em formação que, com o boom digital dos anos 90, apropriou-se de toda a magia que, até então, residia em artefatos mecânicos sutis como o Orient King Diver ou a máquina de escrever Underwood.

O adolescente apaixonado pelas engrenagens no pulso, porém, parece desmentir a tese de que toda a magia mecânica fina se converteu em pixels. E ele, pelo jeito, não é o único, como concluo ao descobrir que, no ano passado, a venda de discos de vinil superou, em lucros, a de downloads de música no Reino Unido. E ao ler que, na Alemanha, há uma legião de jovens apaixonados por máquinas de escrever à moda antiga, usadas com papel e fita preta e vermelha, ou, então, hibridizadas com computadores para oferecer a experiência completa de “catar milho” ao produzir textos em formato Word.

É possível que a tal atração pelos artefatos mecânicos seja apenas modismo ou idiossincrasia de pequenos grupos. Talvez esteja ligada ao momento de crise global, quando a segurança das coisas passadas nos oferece um simbólico colo de avó; talvez, enfim, a praticidade, o alcance e o poder do universo digital, dos dedos rolando pela tela, estejam simplesmente produzindo tédio que é resolvido por um novo que é bem antigo.

Não sei. Só sei que curti encontrar o piá ostentando um velho relógio japonês de mergulhador e fui buscar o meu próprio cebolão no fundo da gaveta. Vida longa!

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