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Ando numa proximidade sem precedentes com o Alasca. Isso porque, ao ligar a tevê a cabo para fugir da nuvem de mosquitos, sou apresentado a uma série de programas que têm como foco aquela região. A coisa soa quase como se houvesse uma campanha de atração de imigrantes ao Círculo Polar Ártico. Faria certo sentido, não fosse a inclemência do clima: no Alasca, a densidade populacional é de 0,48 habitante por quilômetro quadrado, cerca de cem vezes menor que a do Paraná. E o maior estado americano (santa Wikipedia) é quase nove vezes maior que a terra dos pinheirais.

Exemplos: vou à cozinha arrastando as havaianas para buscar um pão com margarina e, na volta, sou fisgado por uma competição de trenós. O piloto que lidera o campeonato estala o chicote e uma dúzia de huskies siberianos puxa o carro por quarenta quilômetros noite adentro – a quarenta graus abaixo de zero. E este cronista, cujas memórias da neve de setenta e cinco há muito derreteram, vai junto, entusiasmado pela disputa.

A vizinhança o encara com certo estranhamento, mas, como o vizinho mais próximo mora a 30 km de distância, ele leva a vida com simplicidade

Assim que chegam ao ponto de parada, os cães comem uma ração poderosa – uma espécie de Bonzo enriquecido com tirinhas de foca e outros snacks árticos – e são postos a descansar em montões de palha. E o piloto, morto de cansado, se enfia num saco de dormir junto com a cachorrada sob o céu estrelado. Fim do programa.

Outro canal: um caçador precisa ganhar dinheiro para o inverno ao quadrado que se aproxima. Ele deixa a cabana de troncos, vai à garagem e sai de lá com um avião monomotor assim, como se estivesse pegando o carro para ir à padaria. Voa por entre montanhas dignas de O Senhor dos Anéis e, lá pelas tantas, aterrissa o aviãozinho amarelo ovo com pneus gigantes em uma encosta. Vai quicando até a beira do penhasco.

Desce e rastreia um grande cervo, enquanto o narrador faz drama sobre a proximidade do “Grande Inverno do Alasca”, coisa horrível. Nosso protagonista atira, acerta de primeira e volta para casa feliz, com o avião pesado de tanta carne. Fim do programa.

Para encerrar, encontro o personagem mais fantástico, um alemão que há quarenta anos trocou Berlim pelo Alasca e desde então mora lá – fazendo questão de usar as mesmas roupas, ferramentas e armas dos primeiros colonizadores. A vizinhança o encara com certo estranhamento, mas, como o vizinho mais próximo mora a trinta quilômetros de distância, ele vai levando a vida com simplicidade, mas sem miséria.

E eu, de bermudas a 13 mil quilômetros de distância, fico por instantes com o alemão lá, tomando café com conhaque e olhando pela janela gelada. Milagre da televisão.

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