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Volta e meia dou de cara com a palavra “elegância”. Ela aparece, por exemplo, em um programa de tevê sobre ciência no qual um analista olha para uma fórmula matemática colossal e afirma “repare só na elegância deste algoritmo”, ou quando ligo o rádio e escuto um enólogo descrevendo um vinho como “elegante”. Palavra que sai fácil da boca. Vou ao dicionário para descobrir que ela nasce do latim “legere”, escolher e recolher os melhores frutos, e do grego “legein”, falar. Elegância, então, seria a capacidade de escolher o melhor de algo e apresentá-lo ao mundo. Bacana.

Com algumas boas frases e sem franzir as sobrancelhas Muhammad Ali condenou os racistas ao ridículo

Eis que, ilustrado em relação ao tema, vivencio uma verdadeira experiência estética com a elegância, justamente em um dos ambientes que menos se importam com isso, o do Facebook. Ela nasce ali, em um vídeo de cinco minutos de uma entrevista dada por Muhammad Ali em 1971, na qual ele fala sobre o racismo nos Estados Unidos.

Em que ele conta, por exemplo, como em 1960 foi impedido de comer um cachorro-quente em uma lanchonete “branca” de sua cidade natal pelo fato de ser negro, mesmo depois de ter sido celebrado, dias antes, como herói nacional pela conquista de uma medalha de ouro nas Olimpíadas de Roma. Em que fala sobre sua opção religiosa pelo Islã politicamente engajado dos Estados Unidos dos anos sessenta depois de perceber que, no céu que lhe haviam ensinado desde a infância, as boas almas negras talvez ocupassem, quando muito, a cozinha, e que não havia anjos negros no imaginário transmitido aos fiéis.

Constatações terríveis, dignas de despertar o sentimento de injustiça, a ira e o ressentimento. Dignas da raiva pura e simples, ao mesmo tempo santa (porque justificável) e satânica (porque geradora de preconceitos em sentido contrário). Mas apresentadas com tal dose de humor, com um humor tão refinado – tão genuinamente elegante –, que provocam o deleite e a reflexão. Com algumas boas frases e sem franzir as sobrancelhas, em síntese, Muhammad Ali condenou os racistas ao ridículo e atraiu uma multidão ao centro de um debate incômodo e fundamental.

De quebra, deixou uma lição sobre a própria crítica, que, tenho comigo, poderíamos muito bem aproveitar neste momento de crise política e moral em que, muitas vezes, o debate verdadeiro acaba afogado em um tiroteio de xingamentos que afasta uma reflexão mais fria e mais aproveitável.

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