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É natural que na França, que inventou esse negócio de esquerda e direita, "gauche" e "droit" conservem suas diferenças e se preocupem em defini-las.

Eles têm até uma responsabilidade familial, como pais etimológicos das duas crianças: mais do que em qualquer outro lugar do mundo, na França esquerda e direita precisam constantemente saber o que são, e o que não são mais.

Depois da eleição do Sarkozy, os analistas políticos franceses se entregaram à tarefa de defini-la com minúcias de provadores de vinho, para os quais não interessa a região, interessa a encosta do morro. Que a vitória do Sarkô foi uma vitória da direita ninguém discute, mas de que direita exatamente? Não mais a direita histórica, que duzentos anos depois ainda não perdoou a Revolução, nem a direita anti-semita, que perseguiu Dreyfus, ou a direita do governo colaboracionista de Vichy ou a direita da repressão colonial, e nem mesmo a direita gaulista, cujo último legítimo representante em atividade era o Chirac. Sarkozy é a direita sem complexos, disse um dos analistas. A direita sem passado, ou com um passado convenientemente mais curto.

A revolução para a qual Sarkozy é o cume da reação não é a de 1789, é a de 1968, cujo legado político ele atacou durante a campanha, e que representa o marco zero da sua nova direita, embora ele fosse um garoto na ocasião. E tem pouco a ver com o tradicional conservadorismo francês a revolução que o próprio Sarkozy propõe, que consiste em americanizar – para usar uma simplificação grosseira, mas não muito – os hábitos e as práticas da economia do país. Para isso ele terá que enfrentar não só os sindicatos franceses mas aqueles membros da comunidade européia que ainda defendem o sistema europeu de prioridades sociais como uma alternativa viável para o liberalismo. Sarkozy quer "flexibilizar" o sistema, aquele eufemismo que também usam muito por aqui quando falam em baratear trabalhador.

Paradoxalmente, é num fato novo que a direita sem passado de Sarkozy se aproxima da velha, e da direita extrema de Le Pen. Grande parte do seu sucesso eleitoral se deve ao discurso duro contra imigrantes. Ele criou um ministério para cuidar da questão com um nome que não deixa dúvidas: Imigração e Identidade Nacional. Imigração e identidade nacional estão juntas porque uma coisa implicitamente ameaça a outra. "Identidade nacional" é uma abstração também à procura de definições, que podem ser étnicas e raciais tanto quanto culturais. Sarkozy tem conversado com todo o mundo e até surpreendido na formação pluralista do seu governo, mas no caso dos imigrantes ele não dissimula: é direitona da gema.

E a "gauche"? Esta está se apalpando para saber o que lhe aconteceu. Já sabe o que não é mais mas ainda não definiu o que quer ser. Vai levar algum tempo. Mas as discussões têm sido muito boas.

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