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Sobre o portal do Inferno, segundo Dante, está escrito "Abandone toda a esperança aquele que aqui entrar". Não sei onde, em Genebra, se realizou a última reunião da Organização Mundial do Comércio para mais uma rodada da agenda de Doha, que busca acertar as pontas do comércio internacional, mas sobre a porta de entrada da sala de reuniões deveria estar escrito "Abandone toda a hipocrisia aquele que aqui entrar". A hipocrisia que rege o atual "sistema mundial" (como diz o Immanuel Wallerstein) chamado de globalização sobrevive nas diretrizes pseudo-generosas do FMI e do Banco Mundial para ajudar os devedores a pagar os credores e em todas as bem sonantes exegeses neoliberais, mas não resiste a uma reunião da OMC. É lá que a globalização mostra a sua cara real, os ricos ostentam o seu poder e sua arrogância e os pobres perdem a ilusão – e a esperança – de serem tratados como iguais. Sem a hipocrisia para disfarçar, prevalecem os interesses dos que têm mais cacife e palavras como altruísmo e transigência soariam tão estranhas como soariam numa mesa de pôquer – que, como sabem todos, é o último lugar onde se deve procurar a bondade humana. O FMI e o Banco Mundial amolecem os pobres, desaconselhando subsídios agrícolas e barreiras comerciais, depois a OMC dominada pelos países ricos entra na sala como o tira duro, para dizer que subsídio e barreira pode, sim, mas só para quem manda. E vá tentar sair dessa delegacia infernal com argumentos.

Curioso como aqui caíram em cima do Amorim por ter apostado o cacife que não tinha numa jogada mal avaliada, confiando que a tal globalização chegara a um estágio em que dava para esperar menos prepotência e mais reciprocidade dos ricos, mas pouco se fala da inflexibilidade de americanos e europeus, culpada pelo novo fracasso. Mas isto faz parte de outra hipocrisia.

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Não sei se a última greve dos Correios teve alguma coisa a ver com isto, mas entre todas as reivindicações dos carteiros poderia estar a de mais atenção da população para eles e seu trabalho. Ou a volta da atenção que um dia mereceram. Pois uma das conseqüências da nossa crise social e falta de segurança é que, pouco a pouco, fomos nos afastando dos nossos carteiros. Quem não mora em casa com cerca eletrificada, arame farpado, seteira, guarita com metralhadora, jardim minado e a caixa de correio longe da porta mora em apartamento e, a não ser no caso de carta registrada, raramente vê a cara do seu carteiro. E eles devem ter uma certa nostalgia do tempo em que batiam nas nossas portas, conversavam um pouco, talvez ganhassem um copo d´água. Enfim, do tempo em que nos escontrávamos. E podem até ter saudade dos ataques dos nossos cachorros. Pelo menos era um contato.

Da próxima vez que o enxergar, portanto, abrace o seu carteiro e convide-o a entrar. Depois de se certificar, claro, que ele é carteiro mesmo e não um assaltante disfarçado.

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