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O historiador americano Hayden White diz que toda interpretação histórica é determinada pela linguagem em que é escrita, e que cada um dos maiores filósofos da História (para ele Hegel, Marx, Nietzsche e Benedeto Croce) tinha a sua poética, o seu tropo literário. O que sugere a fascinante redefinição de ideologias e sistemas de pensamento inteiros como frutos menos de percepções diferentes do que de estilos diferentes de narrativa. Os tipos de linguagem poética que determinariam a abordagem histórica, segundo White, seriam Metáfora, Metonímia, Sinédoque (procure você no dicionário, eu não posso fazer tudo) e Ironia. "Em qualquer área de estudo ainda não reduzida (ou elevada) ao status de uma ciência genuína, o pensamento permanece cativo da forma de linguagem com que se define", escreveu White. E o legado dos grandes historiadores, ou narradores históricos, do século dezenove que teria prevalecido seria o que ele chama de "Ironic mode".

O século vinte estaria cheio de exemplos para a História como narrativa irônica, mesmo que a ironia nem sempre fosse consciente, e o estilo literário mais apropriado para a história do século vinte e um – a julgar pelos seus primeiros capítulos – será certamente o da ironia, trágica ou bufa. Há dias o jornal parisiense Liberation – que mesmo agonizando não perdeu o spirito – fez uma capa sobre Dominique Strauss-Khan, uma das estrelas da esquerda francesa, com o título "Enfim, um socialista eleito". O cargo para o qual Strauss-Khan, indicado pelo Sarkozy, foi eleito é o de diretor do Fundo Monetário Internacional, que ninguém imaginaria dirigido por um socialista, ainda mais um que não faz muito denunciava o esquemão FMI-Banco Mundial como armação mal disfarçada do Departamento do Tesouro americano. Hoje se diz que o FMI não é mais o mesmo, mas não deve ter mudado tanto quanto o Strauss-Khan. Outro que Sarkozy aliciou da esquerda, o respeitado inventor dos Médecins sans Frontières Bernard Kouchner, ministro das Relações Exteriores, declarou-se há pouco favorável a uma ação armada contra o Irã, o que já levou a especulações sobre sua conversão a um Bushismo sem Fronteiras. O "ironic mode" encontrou seu sujeito principal na grande confusão da esquerda mundial.

E que outra coisa senão uma narrativa irônica dá conta de todos os paradoxos de um país em que um governo "de esquerda" – ou pelo menos demonizado como tal – chega à metade do seu mandato entre foguetes dos bancos, que nunca lucraram tanto?

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