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No filme "O exterminador do futuro", um Schwarzenegger é mandado ao passado para matar a mãe de um líder revolucionário que está incomodando o governo. Matar o inimigo pela raiz, por assim dizer. A lógica é inatacável: se não nascer no passado, o problema não existirá no futuro. Muita gente já deve ter imaginado o que faria se tivesse o mesmo poder de voltar atrás para alterar um detalhe, refazer uma escolha, corrigir uma bobagem e mudar a sua vida. Há quem diga que a primeira tarefa do hipotético exterminador deveria ser voltar 507 anos, se postar na praia e, à aproximação dos barcos de Cabral, começar a agitar os braços e a gritar "Não! Não!".

Estes são muito radicais. Minha sugestão seria de uma reparação mais modesta, mas com resultados importantes – incluindo vidas salvas. Se houvessem schwarzeneggers disponíveis para a missão eu os mandaria com urgência ao passado para mudar a decisão do governo de não salvar a Varig quando havia tempo. Optou-se por uma solução fria "de mercado" para evitar que o socorro à moribunda fosse mais um exemplo do capitalismo sem risco praticado no Brasil justamente no momento em que valia mais a prudência do que os pruridos. Não era difícil prever que aconteceria o que aconteceu, quando o governo decidiu ser "correto" erradamente. As duas alternativas à Varig não estavam preparadas para absorver o espaço e o público herdados e a ganância, esta sim sem qualquer ação corretiva do "mercado", fez o resto. O caos se agravou com os problemas dos controladores, e dos controladores dos controladores, e com as indefinições do governo no trato da crise, mas a sua origem está no desaparecimento não só do maior servidor como de um parâmetro de qualidade no setor. Não se espera que aconteça, neste clima de obscena exploração de mortos para fins políticos, mas alguém talvez se lembre de arrolar o liberalismo mezzo ortodoxo, mezzo gandaia brasileiro entre os culpados da tragédia.

Enfim, agora é tarde, o mal está feito e não há schwarzenegger que o desfaça.

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Ainda Bergman e Antonioni. Amiga nossa diz que, na sua opinião, a morte fala sueco. Culpa dos filmes do Bergman, que não nos permitem imaginar outra língua além do sueco para falar da fatalidade e de almas sombrias. Já Antonioni era obrigado a expressar suas sombras em italiano, uma língua ensolarada. A morte, se falasse italiano, seria com um sotaque carregado, provavelmente alemão.

Bergman disse em algum lugar que se considerava um artesão como os escultores medievais que decoravam as catedrais mesmo sem serem religiosos. Apesar da sua formação luterana, ele também não era religioso, mas todo o seu trabalho foi feito nas colunas e nas paredes, por assim dizer, da tradição cristã européia, da religiosidade e dos seus símbolos. É uma boa metáfora: a arte de Bergman e de outros hereges adornando como gárgulas o grande espaço vazio de Deus nas catedrais da Europa – mas virados para fora.

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