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Minha posição quanto à conveniência ou não de se unificar o português falado no mundo é um destemido "não sei". Talvez não valha o trabalho que dará para mudar regras e hábitos – sem falar em dicionários – e pode-se prever que as mudanças, se vierem, levarão tempo para "pegar". Mas os escritores em português têm um interesse menos acadêmico do que prático na unificação do seu idioma, que aumentaria o mercado em potencial para seus livros. O "rude e doloroso" idioma de Bilac é falado por mais gente do que fala francês, mas temos razões para nos queixar da sua relativa obscuridade. Ao contrário da Espanha, que perdeu seu império americano mas deixou um imenso mercado para o García Márquez e o Vargas Llosa, Portugal não foi muito pródigo com a sua língua.

Os navegadores, catequisadores e comerciantes portugueses largaram palavras avulsas pelos caminhos da sua exploração do mundo, como pepitas raras. (Até hoje na Costa Ocidental da África usam a palavra "dash" para gorjeta. Vem do português "deixar", como em "Vou deixar uns trocados para você, ó mameluco!" No Japão, o prato de camarão com legumes fritos chamado "tempura" tem este nome por causa dos portugueses que só comiam peixe durante os "Quattuor Tempora", ou Quatro Tempos, de cinzas e contrição, do ano litúrgico. O "mandarim" chinês vem de "mandar" mesmo, combinada com o sânscrito "mantrin", ou conselheiro. Algumas palavras portuguesas andaram pelo mundo e voltaram com seu sentido mudado. "Casta", substantivo, camada social, vem do português "casta" adjetivo. "Fetishe" começou a vida como feitiço. E o "joss" do chinês pidgin, significando ídolo, é uma corruptela do "Deus" chiado dos portugueses).

Mas não deixaram uma língua universal como o espanhol, que não é o mesmo para todos os hispanofônicos e tem menos diferenças do que as que separam um português dos outros.

E mesmo com a unificação da gramática e do vocabulário restaria a questão da pronúncia. Certa vez fui entrevistado por um casal que apresentava o noticiário numa TV do Porto. Meu pânico começou na primeira pergunta, que não entendi. Adivinhei que era sobre a recepção à literatura portuguesa no Brasil e falei no Saramago. A segunda pergunta era parecida com a primeira, só menos inteligível. Fui de Saramago outra vez. A terceira e a quarta, a mesma coisa. Não sei se era para ser uma entrevista rápida mesmo ou se eles desistiram, desconfiando da minha sanidade mental, e não perguntaram mais nada. Pelo menos o "Obrigado" eu entendi. A dicção do casal era especialmente difícil, e a culpa por não entendê-los era minha, mas o português de Portugal muitas vezes nos lembra a descrição do Bilac. Se bem que no caso a rudeza é nossa, da colônia.

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