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Ninguém ainda disse que nas origens dessa crise, além da ganância descontrolada e das maracutaias de alto escalão, há um toque de generosidade. Tudo começou porque deram empréstimos imobiliários a quem não podia pagar, aos tais clientes "subprime" cujo calote era certo. Não foi o bom coração dos banqueiros (um oxímoro) que decretou que mau pagador também merecia crédito e que caloteiro também merecia casa. Suas dívidas eram transformadas em títulos negociados em cadeia no grande troca-troca que sustentava o mercado de mentira, e tanto fazia os devedores serem "prime" ou "subprime", de alto ou de baixo risco, o lucro das financeiras se multiplicava. Mas até a bolha arrebentar, mau pagador foi tratado sem preconceito, caloteiro não foi discriminado e tivemos um inspirador exemplo de capitalismo popular em ação.

O Baraca tanto prometeu mudanças que acabou decepcionando boa parte dos seus eleitores antes mesmo de começar. Novos presidentes costumam ter uma lua-de-mel com o país nos primeiros dias do seu governo, um período de tolerância ou de amor sem perguntas enquanto toma pé ou acerta a mão. Muita gente pergunta para que tipo de lua-de-mel o Baraca está convidando o país, com Lawrence Summers e o velho Paul Volcker pensando em maneiras novas de fazer o que já fizeram, e Hillary Clinton, que apoiou a invasão do Iraque, e Robert Gates, que como secretário da Defesa do Bush a comanda, combinando como agora vão ser contra, e todos na mesma cama. Obama, mais do que ninguém, deve saber que o valor simbólico de gestos e nomes muitas vezes é mais importante do que o fato. A própria eleição de um negro para a presidência dos Estados Unidos tem um significado simbólico que se sobrepõe a qualquer outro, e será sempre maior do que qualquer fato do Baraca, mesmo seu centrismo decepcionante. Mas seu gabinete anunciado não simboliza as mudanças prometidas, simboliza a mesma coisa. Em alguns casos com a mesma cara.

A gente vive atrás de símbolos, e os mais procurados são os que marcam, convenientemente, o fim ou o começo de períodos históricos. Gostamos de frases sintéticas tipo "o século dezenove acabou mesmo com o naufrágio do Titanic" ou "a revoluçção sexual começou com a bunda de fora da Brigitte Bardot’. A Ford está entre as montadoras americanas que nesta semana foram pedir ajuda ao Congresso americano para não naufragarem, e se há um fato que simbolizaria o fim de várias eras, idades, ciclos e mundos seria o anúncio do fim da Ford.

Foi a Ford – ou no caso o Ford, Henry, grande visionário, grande patife – que inventou a civilização em que vivemos, o carro massificado, o ar envenenado, a linha de montagem desumanizada, o operário consumidor, um verdadeiro capitalismo popular e um proletariado em grande parte politicamente neutralizado. E mudou a face da terra. Cair a Ford seria, sei lá, como cair o nariz de um daqueles rostos de presidentes americanos esculpidos na rocha.

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