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Dietas alimentares às vezes nos proporcionam prazeres inesperados que quase compensam os sacrifícios. Com todos no Brasil falando no pré-sal, posso dizer com superioridade que já venci essa fase: há anos vivo no pós-sal.

Não nos faltam imagens do vazio. Paisagens desoladas, desertos sem um camelo sequer, o espaço negro entre os astros. Mas depois do jogo do Brasil com a Argentina uma imagem se fixou na nossa mente como a definição do vazio: a distância entre o centroavante Rafael Sóbis e o resto do time. Durante todo o jogo, Rafael Sóbis viveu numa solidão de náufrago, cercado por um mar de listas azuis. Nenhum companheiro se aproximou dele, nem para perguntar como estava passando. Ninguém sequer lhe abanou de longe. Rafael Sóbis soube como vivem os réprobos e os amaldiçoados, e as adúlteras dos tempos bíblicos.

Foi, durante todo o jogo, um Robinson Crusoé antes do índio. Um Napoleão em Santa Helena sem sua corte e seus guardas, sozinho com suas memórias de glórias longínquas. Se Dunga fosse Deus, Rafael Sóbis teria todo o direito de chegar na beira do campo e gritar "Senhor, Senhor, por que me abandonaste?" Dunga não é Deus, mas seus desígnios também são misteriosos. Talvez sua intenção fosse mesmo nos dar uma visão da condição trágica do Homem, só num Universo hostil, com argentinos bicando seus calcanhares por toda a eternidade. Não há outra explicação.

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É engraçado como, de repente, por acidente, descobrimos nossas prioridades reais. Eu tinha acabado de chegar à cidade do México para minha primeira Copa, a de 86. Estava como correspondente da Playboy, o que valeria alguns olhares espantados e sorrisos maliciosos de quem via meu crachá.

Como havia algum problema a ser resolvido quanto à minha reserva de hotel na cidade, passei a primeira noite num hotel perto do aeroporto. Recém tinha me deitado quando o quarto começou a tremer. Terremoto! Depois da dor de barriga, o terremoto era o segundo maior temor de quem chegava ao México.

E eu estava no meio de um terremoto na minha primeira noite. Saltei da cama, botei as calças e olhei em volta, me perguntando "O que mais?" Corri para o banheiro e peguei um chumaço de lenços de papel. No meio do cataclismo, tinha instintivamente resolvido que nada era mais importante do que ter com que limpar os óculos. O quarto parou de tremer antes que eu chegasse à porta. Me dei conta de que não tinha sido terremoto mas um avião decolando do aeroporto ao lado.

O episódio pelo menos valeu para que eu me conhecesse melhor. Ou para que minha autoperplexidade aumentasse.

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