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A ex-ministra do Damares Alves, do MMFDH, nega as irregularidades apontadas pelo do ministro Silvio Almeida, do atual MDHC
A ex-ministra do Damares Alves, do MMFDH, nega as irregularidades apontadas pelo do ministro Silvio Almeida, do atual MDHC| Foto: Roque de Sá/Agência Senado; Clarice Castro/MDHC

A Comissão de Anistia, sob responsabilidade do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), anunciou que vai tomar um novo rumo no governo Lula, com ações bem diferentes das tomadas durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro. De início, a nova comissão definida pelo ministro Sílvio Almeida irá criar um regimento interno, a ser publicado em breve no Diário Oficial da União (DOU), que dará aval para passar um "pente-fino" e reverter decisões de mais de 11 mil processos que foram concedidos ou negados pela equipe da ex-ministra Damares Alves.

Entre os processos a serem revistos estão casos como a anulação de anistia política a 300 cabos da Força Aérea Brasileira (FAB) e um pedido de indenização da ex-presidente Dilma Rousseff, indeferido em 2022. De acordo com a nova presidente da comissão, a advogada e professora Eneá de Stutz, há cerca de 3,8 mil processos aguardando julgamento e outros 2 mil de demanda reprimida. Embora o total de casos a serem julgados e revistos ainda não seja preciso, a estimativa é de que gire em torno de 20 mil.

"Estamos planejando a primeira sessão de julgamento para o dia 30 de março, para apreciar apenas 4 casos, que sejam representativos da reinstalação da Comissão de Anistia. Casos emblemáticos, que demonstrem significativamente o que vinha sendo feito, ilegalmente, e como será daqui para frente", explicou Eneá.

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O grupo se reuniu na última semana para definir as atividades, o regimento interno e dar uma resposta formal ao pedido da Defensoria Pública da União (DPU), que foi apresentado no último dia 17. A DPU recomendou ao MDHC a anulação das decisões sobre os cabos da FAB e a revisão de todo o trabalho realizado pela comissão desde março de 2019.

"É possível antecipar que o Conselho da Comissão partilha das mesmas ideias e pressupostos que a DPU, e há, assim, uma convergência dos pensamentos. A Comissão de Anistia está avaliando os mecanismos legais para rever, sim, todas as decisões que estejam em desconformidade com a Lei 10.559/2002. Tão logo seja publicado o novo Regimento Interno da Comissão será possível iniciar as sessões de julgamento com as primeiras revisões", explicou Enéa.

Sobre a ação dos cabos da FAB, a ex-ministra e atual senadora Damares Alves lembra que eles foram dispensados durante a ditadura militar por questões administrativas, e que o caso acabou recebendo o enquadramento de perseguição política, indevidamente, em 2002. Com base nessa decisão de 2002, acabaram sendo concedidos 2.529 benefícios a ex-militares, que custam à Aeronáutica R$ 31,5 milhões mensais. Com base na mesma determinação, outras 500 pessoas que entraram para a FAB depois da publicação da portaria também foram beneficiadas – e que não poderiam, portanto, alegar que foram perseguidas politicamente, já que a regra já existia quando foram contratadas.

"Tenho imenso respeito pela DPU e seus membros e creio que a iniciativa contempla sua independência de atuação. Entendo, no entanto, que essa recomendação promove uma insegurança jurídica desnecessária a todo o contexto da anistia. Assim que assumi como ministra fiz absolutamente de tudo para dar celeridade aos trabalhos. E somente agora depois que saímos do governo vieram com essas recomendações. Por que somente agora? Foram três anos de atuação e com tudo absolutamente respaldado pela lei. Estou muito tranquila a esse respeito ", explicou.

Uma ação sobre as 300 portarias de 2019 de Damares, relacionada aos cabos da FAB, tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) desde dezembro de 2020. A ministra Carmen Lúcia, relatora do processo, votou pela inconstitucionalidade dessas portarias em maio do ano passado, mas o julgamento foi suspenso por um pedido de destaque do ministro Dias Toffoli.

Concessões na gestão da Damares

No governo de Bolsonaro, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) era o responsável por analisar pedidos de indenização feitos por pessoas que se dizem prejudicadas pelo regime militar que vigorou no Brasil de 1964 a 1985. A pasta concedeu ou negou pedidos de indenização e também questionou decisões anteriores, como a dos cabos da FAB.

Damares Alves disse que a sua equipe analisou mais de 11 mil requerimentos de anistia, quando foram descobertos "absurdos" em relação às concessões e à lisura dos procedimentos. "Ex-membros da comissão saíam do colegiado para tornarem-se representantes legais (advogados) dos requerentes. Havia, inclusive, a suspeita de que se aproveitavam da influência que detinham para 'passar na frente' os requerimentos de seus clientes. Acabamos com isso estabelecendo em regimento interno a quarentena dos ex-membros da Comissão de Anistia e também a análise cronológica dos requerimentos, ou seja, pegamos para analisar os requerimentos mais antigos", disse a ex-ministra.

Segundo Damares, os trabalhos estavam atrasados e foi necessário analisar pedidos de 2003, época em que a Comissão foi criada. "Vejam quantos absurdos. Sempre tentei manter diálogo com os representantes dos anistiados e deixei claro essa posição. Não houve surpresas sobre nossa atuação", declarou.

Damares ainda reforçou que sempre se posicionou "favorável à concessão do benefício àqueles que, de fato, comprovassem terem sido perseguidos politicamente". Ela disse que se comoveu com histórias de requerentes, que "passaram anos, ficaram idosos e até mesmo faleceram antes de terem seus pedidos analisados".

"Pegamos esse passivo de 11 mil requerimentos e praticamente todos foram analisados até o final do colegiado. Eu também era fiscalizada por órgãos de controle. Tudo deveria obedecer rigorosamente ao que estava na lei. Quem tinha direito recebeu. Quem não conseguiu comprovar ser anistiado no processo administrativo, sempre tem a via judicial para obter. O juiz pode decidir levando em conta outros fatores. Eu, na condição de gestora pública, não poderia", disse.

Sobre a possibilidade de os pedidos de concessões serem anulados, Damares reforçou que os seus atos foram feitos dentro da lei. "Se o novo ministério resolver anular todos os atos, espero que o façam com muita certeza, pois todos esses atos serão objeto de análise dos órgãos de controle, e nosso aqui no Parlamento também", disse.

O advogado Bruno Talpai, mestre em Direito e especialista em Direitos Humanos, explica que, em casos de "inconstitucionalidades ou desvio de finalidades", todas as concessões podem ser revistas, por se tratar de um rito administrativo.

O que é a Comissão de Anistia

A Lei da Anistia, assinada em 1979 pelo ex-presidente João Batista Figueiredo, determinou o perdão a todos que cometeram crimes políticos ou eleitorais entre setembro de 1961 e agosto de 1979. Em 2002, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a Lei 10.559/2002 instituiu o Regime do Anistiado Político, que prevê indenização para quem sofreu perseguição e tortura do Estado durante a ditadura militar. No mesmo ano, criou-se a Comissão da Anistia, responsável por analisar os processos e julgar possíveis reparações.

A nova comissão no governo Lula foi oficializada no fim de fevereiro, com a nomeação dos últimos integrantes. No grupo estão antigos conselheiros, ex-perseguidos pela ditadura e juristas. Entre os ex-perseguidos, está Rita Sipahi, presa com Dilma, e o presidente da Associação 64/68-Anistia, Mário de Miranda Albuquerque. Pela primeira vez, a comissão não conta com militares. De acordo com a pasta, os escolhidos possuem “experiência técnica, em especial no tratamento do tema da reparação integral, memória e verdade”.

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