Ouça este conteúdo
Desde que o presidente Jair Bolsonaro (PL) concedeu o indulto ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), seis partidos com representação no Congresso já se manifestaram no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto. Desse total, cinco – Rede, PDT, Cidadania, PSOL e PT – apresentaram pedidos para derrubar o decreto presidencial. Apenas um, o PTB, partido do próprio parlamentar, deixou de manifestar contrariedade ao perdão da pena.
>> Faça parte do canal de Vida e Cidadania no Telegram
A diferença na mobilização partidária, contra e a favor do indulto, também pode ser demonstrada pelo teor das manifestações já apresentadas. Enquanto os partidos de oposição a Bolsonaro reuniram um total de 26 advogados – vários com bastante trânsito no STF – para contestar o indulto, em petições que, juntas, contêm 130 páginas, o PTB escalou apenas um advogado para tentar influenciar a posição da Corte, numa petição de 3 páginas.
Nesta petição, o PTB sequer apresenta argumentos a favor da manutenção do perdão ou discute que extensão ele teria – se, por exemplo, também livraria Silveira da inelegibilidade prevista na Lei da Ficha Limpa, um dos pontos cruciais ainda a ser definido – mas apenas pede para participar do julgamento sobre o indulto na condição de amicus curiae [“amigo da Corte”], ou seja, como uma entidade que não é parte no processo, mas tem interesse em colaborar com a discussão.
Nesse tipo de pedido, cabe ao relator – no caso a ministra Rosa Weber – decidir se aceita ou não a participação da entidade no processo, se considerar que ela tem representatividade e se realmente pode contribuir para uma matéria de relevância. Nas ações sobre o indulto, a ministra ainda não definiu se aceitará a participação do PTB e do PT, que também pediu para participar da discussão nesta condição.
Todos os demais partidos – Rede, PDT, Cidadania e PSOL, que contestaram o indulto – já têm participação garantida, porque são autores de ações contra o decreto e figuram, portanto, como partes no processo. Além de poderem fazer pedidos adicionais na ação, também terão direito de fazer sustentações orais na tribuna do STF no dia do julgamento do indulto.
O que diz o PTB no processo do indulto
A petição do PTB resume-se a pedir sua participação no processo e a reproduzir seus princípios como partido, descritos em seu estatuto.
Em uma página, a legenda diz pregar o “respeito à Constituição” e aos “direitos e garantias fundamentais”, que “considera a democracia como valor fundamental” e que tem por finalidade “posicionar-se como realidade social e política”, influir em políticas públicas, “resguardar a soberania nacional, o regime democrático e o pluralismo político”, entre outras generalidades.
Sobre a ação sobre o indulto, diz apenas que “salta aos olhos a gigantesca relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda, a repercussão política e social da controvérsia, bem como a peculiar pertinência do objeto da ADPF com os objetivos do Requerente”. Em seguida, diz que a intervenção do PTB “tem como finalidade prover informações relevantes e apresentar argumentos úteis à causa”.
Depois pede que, caso seja admitido no processo, o partido possa obter um prazo para apresentar “razões complementares” e participar do julgamento com sustentação oral.
“Pede e espera deferimento, de forma a se garantir o enriquecimento dos debates acerca de questão de suma importância para a sociedade como um todo”, diz o PTB no final da petição.
A Gazeta do Povo entrou em contato com o advogado do partido, Luiz Gustavo Pereira Da Cunha, para saber mais sobre como o PTB pretende convencer os ministros a manter o decreto, mas não houve retorno até a publicação desta reportagem.
Desde o afastamento do ex-deputado Roberto Jefferson da presidência do PTB, determinado pelo ministro Alexandre de Moraes em novembro do ano passado, o partido vive uma crise interna, com sucessivas trocas e disputa acirrada pelo comando. O partido foi um dos que mais encolheu na janela partidária de março. Sua bancada na Câmara caiu de 10 para 5 deputados federais.
O que dizem os partidos contra o indulto
O PT, maior partido de oposição ao governo Bolsonaro, também pediu para participar como amicus curiae, mas, além de justificar sua representatividade para a discussão, também adiantou seus argumentos contra o perdão concedido a Daniel Silveira.
Sua manifestação é assinada por dez advogados, entre eles o subprocurador da República aposentado Eugênio Aragão e os advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Zanin Martins.
Na petição, o PT busca contornar a atual jurisprudência do STF que entende que o indulto, instituto previsto na Constituição, é, de modo geral, um ato discricionário do presidente da República nem fere o princípio da separação de poderes.
O PT aponta, em primeiro lugar, um desvio de finalidade, porque o indulto serve a um propósito “político-humanitário” e é instrumento de “pacificação social”.
No caso de Silveira, diz o partido, o objetivo teria sido reverter uma decisão judicial que não agradou a Bolsonaro, “em contrariedade ao Poder Judiciário para fazer imperar suas ideologias políticas e livrar seus aliados de condenações”.
O princípio da separação de Poderes teria sido violado porque o ato, segundo o PT, teria rompido o dever de harmonia previsto na Constituição, uma vez que Bolsonaro teria agido como “revisor de decisões judiciais, afrontando a autoridade da Suprema Corte brasileira”.
O partido ainda argumenta que o indulto dado a Silveira fere outros princípios constitucionais, como o da impessoalidade e o da moralidade, exigidos para qualquer ato da administração pública.
O decreto quebraria a impessoalidade, segundo o PT, por “atender exclusivamente a um amigo e aliado político” de Bolsonaro. E afrontaria a moralidade por “endossar o cometimento das práticas contra o Estado Democrático”, em referência aos crimes cometidos por Silveira.
As petições de Rede, PDT, Cidadania e PSOL, todos autores de novas ações apresentadas ao STF, seguem linhas semelhantes. Todos defendem a necessidade de “trânsito em julgado” para a concessão do perdão, isto é, o esgotamento de todos os recursos possíveis com o fim definitivo do processo.
“Não se pode, por razões lógicas, interromper a pretensão punitiva estatal antes que ela inicie. Vale dizer, o ato em apreço interrompeu o processo em curso, em ordem a macular o princípio do devido processo legal e, nessa extensão, o princípio da separação dos poderes”, diz a ação do PDT.
A Rede ressaltou que o STF não poderia admitir o perdão a um crime cometido contra o Estado Democrático de Direito, embora a Constituição não proíba a concessão do indulto para esse tipo de delito – veda apenas para crimes hediondos, terrorismo, tortura e tráfico de drogas.
“Admitir o contrário seria consentir com a possibilidade de líderes autoritários incitarem atos atentatórios contra as instituições, reconfortando-os com o prêmio da impunidade”, diz a Rede. O partido acrescenta ser necessário tornar Silveira inelegível, ainda que o STF admita o perdão de sua pena de prisão e pagamento de multa.
Em sua ação, o Cidadania afirmou que o suposto desvio de finalidade, por favorecimento a aliado, seria também um “abuso de poder”. O PSOL disse que o ato se enquadra no conceito de “constitucionalismo abusivo”.
Trâmite do indulto no STF
O indulto a Daniel Silveira será analisado pelos ministros Alexandre de Mores e Rosa Weber. O primeiro é o relator da ação penal contra o deputado e cabe a ele declarar extinta sua pena. Nesta terça (26), ele pediu que a defesa se manifeste sobre o perdão e disse que ainda decidirá se ele pode ser concedido antes do trânsito em julgado; também disse entender que a extinção da pena não isenta Silveira de ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa.
Rosa Weber, por sua vez, conduz todas as ações que buscam derrubar o decreto de Bolsonaro. Na segunda (25), ela pediu uma manifestação da Presidência da República, em até 10 dias, sobre as alegações dos partidos contrários ao indulto a Silveira. Em seguida, colherá pareceres da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR), em 5 dias. Só depois, levará a questão diretamente ao plenário, para uma decisão colegiada dos ministros.