• Carregando...

Vários cartões de crédito, diversas sacolas e inúmeras dívidas. A ida ao shopping pode passar de prazer a pesadelo para quem sofre de um transtorno em que comprar é uma necessidade. A compulsão por compras, ou oneomania, é um transtorno de impulso que afeta cerca de 3% dos brasileiros. Nove em cada dez vítimas são mulheres.

De acordo com o psiquiatra e coordenador do programa de ansiedade e transtornos do humor do Hospital Nossa Senhora da Luz, André Astet, a incidência do transtorno vem aumentando nas chamadas sociedades de consumo, onde as compras são guiadas por necessidades culturais. "Na Idade Média as pessoas viviam com apenas um sapato, ele tinha a função de proteger os pés. Hoje, isso é diferente. Criou-se essa necessidade de ter diversos tipos de sapatos para diferentes ocasiões, o que estimula o consumo", afirma.

A prevalência dominante nas mulheres ainda não foi totalmente desvendada pelos especialistas. Sabe-se que as mulheres têm maior capacidade de organização e historicamente sempre foram encarregadas das compras. "O que não sabemos é se isso é uma questão biológica, ou se vem pela tradição cultural, devido à maior exposição ao estímulo", explica. Além disso, a indumentária feminina é muito mais sofisticada, oferecendo uma infinidade de opções. Segundo Astet, em geral, os oneomaníacos apresentam uma pré-disposição ao transtorno, mas necessitam do contato com o estímulo para que ele se desenvolva.

Para Osmar Ratzke, presidente da Sociedade Paranaense de Psiquiatria, a compulsão por compras tem sintomas semelhantes a cleptomania (impulso por roubo), piromania (fogo), e tricotilomania (quando o paciente arranca fios de cabelo). Segundo Ratzke, a pessoa sente uma grande excitação ao realizar o impulso, mas logo em seguida se arrepende. No caso da compulsão por compras, sente uma grande ansiedade, que só passa depois que ela compra alguma coisa. "Não é algo consciente, é um impulso que a leva a comprar sem que tenha o controle racional sobre isso", explica.

O objeto do consumo nem sempre é algo útil. Os compulsivos compram porque o ato os satisfaz, não porque necessitam daquele produto. "Eles compram coisas que não precisam e muitas vezes nunca chegam a usar", explica a psicóloga Rosangela Fares, diretora regional da Associação Brasileira de Psicoterapia Cognitiva (ABPC).

O problema é que em muitos casos as conseqüências podem ir de desentendimentos familiares até problemas econômicos graves. Nessas situações, a vítima do transtorno geralmente sente muita vergonha de sua condição e até resiste em admiti-la.

Foi o que aconteceu com Fernanda (nome fictício), de 35 anos. Há dois meses ela resolveu procurar ajuda e está em tratamento para tentar controlar a vontade de comprar. "Desde que comecei a trabalhar, quando tinha 18 anos, tenho esse impulso. Sempre gastava todo o dinheiro e vivia com o limite do cartão estourado", conta. A moça, que tinha três cartões de crédito, chegou a se afundar em dívidas, teve o nome incluído no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e precisou fazer empréstimos para tentar quitar as contas. "Eu não tinha qualquer controle sobre os gastos, não anotava nada. E toda vez que saía precisava comprar alguma coisa, se não fosse algo para mim, comprava para minha filha. Depois me arrependia", lembra.

Fernanda conta que o ex-marido chegou a quebrar o cartão fidelidade que ela tinha em uma loja, mas em seguida ela fez outro. Hoje, com a terapia, tenta controlar o impulso por meio de algumas estratégias. Sai de casa somente com a identidade e o dinheiro do ônibus. "Mesmo sem dinheiro, ainda paro em algumas lojas e provo roupas. Depois falo para vendedora que esqueci que estava sem dinheiro. Agora tenho só um cartão de crédito, mas mesmo assim não carrego comigo", diz.

O tratamento do transtorno deve ser feito por meio de terapia cognitiva comportamental, para que o paciente tenha consciência de sua situação e aprenda a controlar suas ações. Para Astet, o apoio da família é fundamental. "Os familiares não podem ser coniventes com essa situação, mas devem ser solidários. O compulsivo vai precisar da ajuda deles no tratamento."

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]