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Adlène Hicheur, | Reprodução/Revista Época/
Adlène Hicheur,| Foto: Reprodução/Revista Época/

Um dia após mais um atentado terrorista na França, o físico Adlène Hicheur, de 39 anos, nascido na Argélia e naturalizado francês, foi deportado do Brasil, onde morava havia três anos. O físico já esteve preso na França, após ser condenado a cinco anos de prisão sob a acusação de planejar atentados terroristas. Após cumprir dois anos de cadeia, obteve liberdade provisória e se mudou para o Rio, onde se tornou professor visitante do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Em janeiro deste ano a revista Época divulgou que a Polícia Federal monitorava Hicheur em função de suas supostas atividades terroristas - o físico sempre negou praticá-las. Na época ele chegou a pedir desligamento da UFRJ e cogitou voltar para a Europa, mas foi convencido por colegas a permanecer no Brasil como pesquisador - ele deixou de dar aulas. Seu contrato com a UFRJ terminaria em julho, mas a universidade decidiu renová-lo por mais um ano. Por isso, encaminhou aos órgãos federais a documentação necessária para a renovação do visto. Nesta sexta-feira (15), no entanto, foi publicada no Diário Oficial da União uma decisão do Ministério da Justiça negando o pedido de renovação, sem exposição de justificativas - isso não é exigido por lei.

Nota oficial do Ministério da Justiça

“O Ministério da Justiça e Cidadania comunica que, acolhendo recomendação do Departamento de Polícia Federal (DPF) e fundada no Estatuto do Estrangeiro e o respectivo regulamento (§2° do art.57 da Lei n° 6.815, de 1980, combinado com o § 2° do art 98 do decreto n° 86.715 de 1981), tendo em vista o indeferimento do pedido de prorrogação de autorização de trabalho no país, e dada a inconveniência ao interesse nacional, autorizou a deportação sumária do cidadão franco-argelino Adlêne Hicheur. “

Segundo o pesquisador Ignacio Bediaga, que trabalha no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e foi responsável pelo convite ao físico para que viesse trabalhar no Brasil, Hicheur estava em sua casa, na Tijuca (zona norte do Rio), na manhã desta sexta-feira, apresentando por videoconferência (pelo computador) para colegas do Centro Europeu para Física de Partículas uma pesquisa que desenvolveu na UFRJ quando agentes da Polícia Federal chegaram e avisaram que Hicheur seria imediatamente deportado. Os policiais aguardaram o fim da apresentação e a organização da bagagem do físico, que no início da tarde foi levado ao aeroporto do Galeão, na Ilha do Governador (zona norte).

Segundo a UFRJ, a vice-reitora da instituição, Denise Nascimento, esteve no aeroporto para tentar impedir a deportação, sem sucesso. O voo levando Hicheur partiria às 22h25 para Lisboa - dali, segundo Bediaga, ele seria encaminhado para a França.

A UFRJ divulgou nota em que repudia a “sumária deportação” de Hicheur: “A Reitoria da UFRJ foi surpreendida (...) com a notícia da sumária deportação do professor visitante Adlene Hicheur. Manifestamos extrema preocupação com a ação, anunciada sem apresentação de justificativas claras e atenção a princípios democráticos básicos, como direito à defesa”, acusa a instituição de ensino. “O pedido de renovação de contrato do professor foi analisado pelos vários colegiados da UFRJ e aprovado. O professor desenvolveu na UFRJ novas linhas de pesquisa, assim como deu continuidade a trabalhos já em andamento quando da sua contratação”, conclui a nota.

Bediaga também criticou a deportação: “Ele é um pesquisador muito respeitado, estava desenvolvendo seu trabalho e jamais imaginaria que de repente pudesse acontecer isso. Foi um desrespeito absurdo”, avaliou. “Ele está sendo levado para a França e pode ser preso novamente, sendo que o visto para entrar no Brasil é da Argélia, então, em caso de deportação, teria que ser mandado de volta à Argélia, não à França”

Carreira

Hicheur é considerado brilhante pelos colegas. Fez doutorado na cidade francesa de Annecy (na equipe de Lees) e pós-doutorado no Reino Unido.

Até ser preso, lecionava na prestigiosa Escola Politécnica de Lausanne e era pesquisador associado à Organização Europeia de Pesquisa Nuclear, em Genebra. Desde 2015, está proibido de entrar na Suíça.

Histórico

Especializado em partículas elementares, Hicheur desenvolvia até 2009 uma carreira acadêmica reconhecida internacionalmente. À época, fazia pós-doutorado na Escola Politécnica Federal de Lausanne, na Suíça, e trabalhava no Centro Europeu para Física de Partículas. Foi quando se afastou para tratamento médico devido a problemas na espinha e no nervo ciático. Na casa dos pais, na França, começou a frequentar um fórum na internet que reúne jihadistas e trocou mensagens com um interlocutor que se identificava como “Phenix Shadow” - segundo a polícia era Mustapha Debchi, apontado pelo governo da França como integrante da organização terrorista Al Qaeda.

O conteúdo dos e-mails foi divulgado pela revista Época. Segundo a publicação, Phenix perguntou a Hicheur se ele estaria disposto a cometer um ataque suicida, e o físico negou. Em seguida, Phenix questionou: “Caro irmão, vamos direto ao ponto: você está disposto a trabalhar em uma unidade de ativação na França? Que tipo de ajuda poderíamos te dar para que isso seja feito? Quais são suas sugestões?”

Cinco dias depois, Hicheur respondeu: “Sim, claro” e afirmou que planejava deixar de morar na Europa, mas que poderia rever esse plano. O físico escreveu que ficaria na Europa para “trabalhar no seio da casa do inimigo central e esvaziar o sangue de suas forças” e sugeriu diversos alvos. “Precisamos trabalhar para acelerar a recessão econômica, ou seja, atingir as indústrias vitais do inimigo e as grandes empresas.” Hicheur também mencionou ataques a embaixadas: “Executar assassinatos com objetivos bem estudados: personalidades europeias ou personalidades bem definidas que pertençam aos regimes incrédulos (em embaixadas e consulados, por exemplo).”

As mensagens foram interceptadas pela polícia francesa, que prendeu o físico. Processado, foi condenado a cinco anos de prisão. Detido em 2009, foi libertado em 2012. No início de 2013 foi convidado pelo CBPF, unidade de pesquisa do Ministério da Educação situado na Urca, zona sul do Rio, a participar de um projeto no Brasil. Durante três meses, com bolsa de estudos do CBPF, fez pesquisas e produziu um relatório. Voltou para a Europa, mas a polícia suíça o proibiu de entrar no país até 2018. Por isso, não pode voltar ao local onde trabalhava antes da prisão.

Julgamento

No tribunal, um dos trunfos da acusação foi a mensagem em que o físico sugere um ataque a uma base do Exército onde eram treinados soldados para o Afeganistão -Hicheur é opositor ferrenho das intervenções ocidentais naquele país e no Iraque.

Ao ser detido pela polícia em 2009 perto de Lyon (leste da França), na casa dos pais, o pesquisador tinha em mãos 13 mil euros (R$ 57 mil) em espécie, o que alimentou suspeitas.

A defesa diz que ele pretendia pagar a construção de uma casa em sua cidade natal, Sétif, na Argélia; o contrato foi mostrado à Justiça.

Hicheur foi então convidado a estender a pesquisa no Brasil, auxiliado por bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ele teve o currículo aprovado por comissão composta por representantes do Ministério da Educação e do CNPq. Recebeu ajuda mensal de setembro de 2013 a abril de 2015. Em julho de 2014 também se tornou contratado da UFRJ como professor visitante. Esse contrato precisa ser renovado anualmente e pode durar três anos.

Por conta de um episódio ocorrido em 2015 na mesquita que frequenta em Vila Isabel (zona norte do Rio), o físico virou alvo de investigação da Polícia Federal, que chegou a fazer operação de busca e apreensão em sua casa e em seu gabinete na UFRJ. Quando o caso foi revelado, em janeiro deste ano, Hicheur divulgou carta em que afirma ter sido preso na França por conta de “minhas visitas aos chamados websites islâmicos subversivos”. Ele escreveu: “Fui privado da minha liberdade por dois anos apenas com base nisso. Nenhum outro elemento foi apresentado contra mim”. Hicheur disse que “a acusação não sustentou o caso com fatos e evidências” e que “o caso foi fabricado, usando-se partes pinçadas de uma conversa virtual com o objetivo de mostrar que haveria uma tentação de considerar a violência como solução para conflitos internacionais em países árabes e muçulmanos como Iraque ou Afeganistão”.

Ele ouviu de policiais federais que a medida foi determinada pelo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes. O Ministério da Justiça não se pronunciou, até o momento, sobre o tema.

Hicheur foi investigado e condenado por terrorismo na França em 2009, segundo revelou em janeiro à revista “Época”. Ele cumpriu dois anos e sete meses de prisão no país por “associação com criminosos com vistas de planejar um atentado terrorista”.

Em 2013, o físico franco-argelino chegou ao Brasil para trabalhar como professor-visitante na UFRJ. Até o fim de 2014, ele foi bolsista do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

Na França, o professor recebeu em janeiro o apoio de um comitê internacional de mais de 300 membros, entre eles um Prêmio Nobel de Física.

Frequentador de uma mesquita no Rio, Hicheur passou a ser monitorado desde o ano passado por policiais federais da Divisão Anti-terrorismo e por agentes da Abin (Agência Brasileira de Inteligência).

Mesmo com a condenação na França, não foi encontrado qualquer indício de atuação terrorista do professor no Brasil.

Quando a PF chegou a sua casa, na manhã desta sexta, Hicheur fazia uma conferência por Skype com outros professores. Os agentes deram a ele uma hora para arrumar suas roupas e decidir o que levar.

Adlène Hicheur chegará na França dois dias depois da ação terrorista em Nice que até o momento deixou 84 pessoas mortas.

“Estamos preocupados com a medida e com a integridade física do professor. A gente sabe da série de ações restritivas de direitos que vêm sendo adotadas pelo governo francês neste momento e não sabemos o que pode acontecer com ele”, afirmou o reitor da UFRJ, Renato Leyer, que deixou o aeroporto pouco antes das 20h.

Em janeiro, em carta divulgada por intermédio do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, Hicheur classificou as informações sobre sua ligação com a rede terrorista Al Qaeda como “antigas e já esclarecidas”.

“Eu fui preso pela polícia francesa no fim de 2009 e a única justificativa desta minha detenção foram minhas visitas aos chamados sites islâmicos subversivos. Fui privado da minha liberdade por dois anos apenas com base nisso”, disse ele, que nasceu na Argélia e se naturalizou francês.

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