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Duas décadas depois, poucos compromissos assumidos pelas nações mundiais na Eco-92 foram efetivamente cumpridos | Luciana Whitaker/Folhapress
Duas décadas depois, poucos compromissos assumidos pelas nações mundiais na Eco-92 foram efetivamente cumpridos| Foto: Luciana Whitaker/Folhapress

Análise

Brasil perde o bonde da história

Anfitrião de duas das mais badaladas megaconferências mundiais sobre meio ambiente (Eco-92 e Rio+20), o Brasil está perdendo, segundo especialistas, uma oportunidade histórica de liderar o movimento em prol da chamada Economia Verde, na qual se busca utilizar tecnologias limpas e estabelecer políticas de desenvolvimento socioeconômico a partir da manutenção e do uso racional dos recursos naturais dos países.

Com uma agenda local marcada por temas polêmicos, como a revisão do Código Florestal, a exploração futura do pré-sal e a ampliação do número de usinas nucleares, o país aparenta de ir na contramão do movimento proposto pelas conferências da ONU.

"O Brasil está perdendo o bonde da história. Poderíamos ser os líderes mundiais em energia alternativa, através do uso mais intensivo do biodiesel e das energias eólica e solar. Apesar de demonstrar um comportamento para o mundo, acabamos tendo outro dentro do nosso próprio país. É capaz de sairmos com a imagem arranhada da Rio+20", diz Klaus Sautter, professor do Programa de Pós-Graduação da Universidade Positivo.

Para Luciane Flores Queiroz, diretora da Ação Consultoria Ambiental, especializada em gestão do meio ambiente, as empresas já descobriram a vantagem – inclusive econômica – de adotar práticas mais sustentáveis. No entanto, os governos ainda não despertaram para a Economia Verde, diz ela, citando como exemplo o grande número de lixões no país. "Mas tivemos grandes avanços em termos de legislação ambiental e a visão sobre o tema amadureceu bastante nos últimos dez anos", pondera.

Entrevista

Elisa Tonda, coordenadora interina do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).

Qual o principal objetivo da Rio+20?

Voltar a colocar no topo da agenda global o tema do desenvolvimento sustentável, lembrando os compromissos assumidos há 20 anos e reforçados há uma década na Conferência de Johannesburgo (África do Sul). Mas são compromissos assumidos em um contexto diferente do atual. Vale analisar o quanto se avançou, mas também que atualizações serão necessárias. A expectativa é de fortalecer um compromisso, neste novo contexto, e colocar na agenda a importância de se equilibrar os três eixos do desenvolvimento sustentável: econômico, social e ambiental.

De 1992 para cá, o mundo evoluiu na questão ambiental?

Foram postos novos temas na agenda de discussões e se firmaram muitos acordos e convênios em nível global. Por outro lado, estamos em um momento em que a pressão que fazemos sobre os recursos naturais é grande, resultado de um modelo de desenvolvimento que muitos países assumiram. Essa conferência é uma oportunidade de fazer uma revisão crítica desses modelos que não estão nos permitindo cumprir as metas assumidas.

Como reverter a piora dos indicadores de sustentabilidade?

Precisamos encontrar um caminho que nos permita buscar o desenvolvimento econômico e gerar empregos, seguir a luta contra a pobreza e ao mesmo tempo proteger o meio ambiente, a biodiversidade e a riqueza natural dos países. No caminho preparatório para a Rio+20 foi apresentada uma proposta da Colômbia para analisar com mais atenção a métrica para o desenvolvimento sustentável, já que não existe um conjunto unificado de indicadores que todos os países utilizem. Nesse sentido, propõe-se desenvolver metas e indicadores que permitam unificar o esforço em medir o progresso dos países em sustentabilidade. Seria uma medida interessante a se propor na conferência do Rio.

A pressão econômica ainda pesa?

Em muitos casos, as decisões foram tomadas sem se levar em conta as implicâncias ambientais. A conferência, de certa forma, tenta reverter essa tendência e assegurar que todos os aspectos tenham o peso justo na tomada de decisão e na análise de suas consequências.

  • Indicadores mostram como o meio ambiente vem sofrendo ao longo das últimas décadas

A nove meses do principal evento global sobre o meio ambiente, a Rio+20, que vai ocorrer entre os dias 4 e 6 de junho de 2012 na capital fluminense, a sensação geral é de déjà vu. Duas décadas após a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Eco-92) – também sediada no Rio de Janeiro e que lançou algumas das principais diretrizes para o desenvolvimento sustentável – o mundo mais uma vez senta para debater o aquecimento global e as mudanças climáticas, entre outros assuntos, além de rediscutir metas e reavaliar problemas já diagnosticados 20 anos atrás.De lá para cá, a evolução dos indicadores de sustentabilidade caminhou em direção oposta ao aumento da simpatia e da preocupação da sociedade pelas questões ligadas ao meio ambiente. Isso significa que, na prática, poucos compromissos assumidos foram de fato cumpridos: sobraram debates, mas faltaram ações mais efetivas ao longo dos anos. Nesse sentido, para muitos especialistas, a Rio+20 corre o risco de virar um encontro vazio, principalmente por nem prever assinatura de acordos específicos nem estabelecer metas ou prazos a cumprir pelos países.

"Muitas pessoas acham que isso tem um lado positivo, principalmente o Itamaraty, porque não haverá conflito de interesses. Para mim, este é o grande problema da conferência do ano que vem. Economia Verde [um dos temas a serem debatidos na Rio+20] é um assunto muito abstrato e os outros tópicos não terão espaço. A expectativa é conseguir uma grande mobilização no mundo para implementar o que foi decidido há 20 anos", avalia o consultor ambiental Fabio Feldmann.

Legado

Por outro lado, Feldmann acredita que o legado deixado pela conferência de 1992 foi importante, inclusive por ter consolidado o papel das organizações não governamentais. "Esses 20 anos trouxeram coisas boas. Hoje temos uma consciência ambiental maior, mas o que falta é uma articulação política entre governos e sociedades. Ainda há muitos interesses econômicos misturados com interesses socioambientais. Por isso, um dos temas da Rio+20 será a governança para o desenvolvimento sustentável", explica Klaus Dieter Sautter, professor do Programa de Pós-Graduação em Gestão Ambiental da Universidade Positivo. Segundo ele, a tendência é que poucos chefes de Estado compareçam a conferência do ano que vem.

"O planeta está cheio de regras e normas, mas do ponto de vista prático não há nada. Estamos destruindo nossa casa desde a Revolução Industrial. Como a China cresce 10% ao ano se não tem nem mesmo água para abastecer sua população? O que está faltando é quebrar esse paradigma de falar bastante nas questões ambientais e fazer pouco", dispara o biólogo José Roberto Borghetti, consultor da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). De acordo com ele, outro fator a ser explorado é o econômico, estabelecendo-se metas e critérios ambientais práticos com os quais todos – inclusive cidadãos e empresas – se comprometam. "Não adianta reunir os países se, politicamente, o capital não está comprometido com as mudanças necessárias", conclui.

Histórico

Recorde algumas das principais conferências da ONU sobre o meio ambiente:

Estocolmo

- Realizada na Suécia, em 1972, o evento gerou uma declaração que conclamava os povos do mundo a respeitar o ser humano e o meio ambiente.

Montreal

- Em 1987, a deterioração da camada de ozônio levou as nações a se reunirem no Canadá para discutir a redução dos gases CFC (clorofluorcarbono), responsáveis pelo problema. O encontro resultou em um comprometimento formal nesse sentido: o Protocolo de Montreal.

Rio de Janeiro

- A primeira megaconferência sobre o meio ambiente, realizada de 3 e 21 de junho de 1992 no Brasil, serviu para abrir os olhos do mundo ao desenvolvimento sustentável, gerando documentos importantes como a Carta da Terra, a Agenda 21 (com diretrizes de sustentabilidade) e três convenções: Desertificação, Biodiversidade e Mudanças Climáticas, que depois ganharam conferências próprias.

Kyoto

- Em 1997, o Protocolo de Kyoto, assinado no Japão, foi um importante passo para a redução dos gases do efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global. Estabeleceram-se metas de redução da emissão de gases em pelo menos 5,2% até 2012. Muitos países, como os Estados Unidos, não assinaram o acordo. O protocolo expira ano que vem e ainda não há um substituto para ele.

Johannesburgo

- Conhecida como Rio+10, ocorreu em 2002, na África do Sul. O objetivo era revisar as metas da Agenda 21. Teve poucos resultados efetivos, mas os países se comprometeram, até 2015, a reduzir à metade o número de pessoas sem saneamento básico.

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Interatividade

O que líderes mundiais devem fazer para evitar que a Rio+20 termine sem resultados práticos?

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