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"Não volto nunca mais para lá"

A mãe de David pretende nunca mais voltar à Vila Jurema. Quando adquiriu a casa na Rua Atílio João Bortoloti há três meses, Marli Leal pensou estar fazendo um bom negócio. Pelo preço baixo, trocou o distrito de Borda do Campo, onde nunca teve problemas com violência, pelos constantes tiroteios na Vila Jurema. "Vou dormir na casa do meu irmão aqui na Borda e vou pedir para alguém pegar minhas coisas. Não volto nunca mais para aquele lugar. A maioria lá é traficante", disse ontem, após o enterro.

Sobre o filho morto, Marli reconhece que o menino não era de estudar, mas desde cedo gostava de trabalhar. Estava dois anos atrasado na escola, na 2.ª série. Com os trocados que conseguia fazendo bicos, fazia questão de ajudar a mãe e os quatro irmãos. "Ele colhia batata, recolhia ferro-velho e depois, sem pedir, dava o dinheiro para comprar pão e mortadela", recorda. (MXV)

Um menino de 10 anos morreu com um tiro na nuca em um confronto entre gangues, na noite de terça-feira, na Vila Jurema, São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba. David Fernando Leal foi morto na frente do portão de casa, por volta das 20h30, na Rua Atílio João Bortoloti. A polícia descartou a hipótese de que uma bala perdida tenha vitimado o garoto. "O menino pode ter sido confundido ou morto por vingança", afirma o tenente Márcio Maia, comandante da 1.ª Companhia da Polícia Militar.

Uma das linhas de investigação revela que os tiros que acertaram David eram, na verdade, para o adolescente I.M.S, de 14 anos, conhecido por Beiço e apontado por populares como o "terror" do bairro. Dez pessoas acusadas de participação no assassinato – entre elas I.M.S. e mais três menores – foram presas entre terça-feira e ontem, em operação conjunta entre as polícias Civil e Militar.

No enterro ontem, no Cemitério de Borda do Campo, a mãe de David, a empregada doméstica Marli Aparecida Coutinho Leal, enfatizava que essa não teria sido a primeira vez que o filho e Beiço foram confundidos. Há 15 dias, uma mulher que teve a casa assaltada por I.M.S foi até o barraco de Marli para agredir David pensando que fosse o adolescente infrator. "Eles eram realmente parecidos", confirma a mãe.

I.M.S já havia sido detido semana passada por assalto à mão armada a um ônibus – ele tem outras passagens pela polícia por furto e tráfico. Segundo o superintendente da delegacia de São José, Altair Ferreira, I.M.S estaria cometendo furtos e assaltos na Vila Independência, área de atuação de uma gangue rival de traficantes. "Os traficantes não gostam desse tipo de ação em sua área porque chama a atenção da polícia", explica.

Além dos menores apreendidos, foram presos sobre a acusação de formação de quadrilha, homicídio e porte ilegal de arma Emerson Luís de Oliveira, 31 anos; Romerino Soares de Almeida, 23; Valmir Ferreira de Souza, 19; Erasmo Carlos da Silva Kipinski, 29; Elias de Oliveira Reis, conhecido por Diego, 21; e Gilberto Almeida da Silva, conhecido por Batoré, 19. No momento da prisão, Valmir portava uma pistola ponto 40 e Erasmo um revólver 38. Um exame de balística vai averiguar se o tiro que vitimou David saiu de uma dessas armas.

Batoré seria o líder da gangue que assassinou David. Ele tem dois mandados de prisão preventiva por homicídio.

Moradores da Vila Jurema dizem que os tiroteios são rotineiros. Nos muros e portões das casas não é difícil encontrar marcas de balas. Com tal situação, diz uma mulher que prefere não se identificar, o jeito é os moradores se recolherem cedo. "Nós chamamos a polícia, mas eles nunca vêm", ressalta. A mesma mulher diz que duas horas antes do tiroteio de terça-feira a gangue chegou a alertar os moradores de que iria invadir o local.

O tenente Maia afirma que o policiamento na Vila Jurema é feito normalmente e que a PM atende a todos os chamados. Já Ferreira ressalta que as prisões ocorreram rapidamente porque a polícia já estava no encalço dos grupos – eles seriam presos hoje se não fosse a morte de David.

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