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 | Lineu Filho//Tribuna do Parana
| Foto: Lineu Filho//Tribuna do Parana

Pelas mãos do barbeiro José Trindade, 78 anos, ou apenas Zé Trindade, como é mais conhecido e prefere ser chamado, passaram as madeixas das cabeças pensantes que comandaram Curitiba e o Paraná nas últimas décadas. Nascido em Bituruna, no Sul do estado, Zé chegou à capital em 1959, trazendo na bagagem apenas os conhecimentos básicos de corte de cabelos que adquiriu em Porto União (SC), primeira cidade por onde passou na juventude, enquanto buscava um rumo para sua vida.

Em pouco tempo, ele se estabeleceu e passou a trabalhar como barbeiro no Salão Santa Maria, que ficava na Praça Zacarias. E foi lá que fez seu primeiro cliente ilustre, um político ainda jovem, chamado Jaime Lerner, de quem Zé se tornou cabeleireiro oficial e amigo próximo, até hoje. Lerner foi inclusive, padrinho em um de seus casamentos.

A tesoura de Zé Trindade se mudou para a Boca Maldita e lá outras personalidades tornaram-se clientes dele – desde médicos, juízes, desembargadores, deputados, prefeitos até governadores. Fazem parte desta seleta lista Ney Braga, Ivo Arzua, Saul Raiz, Paulo Pimentel, Luiz Carlos Martins, o desembargador Tadeu Costa, o médico Carlos Alberto da Veiga Mercer (de quem ganhou a famosa maleta onde leva seus materiais) e o jornalista e ex-diretor da Tribuna Osvaldo Tavares de Mello, entre muitos outros.

Hugo Harada/Gazeta do Povo

“Quando pequeno fui engraxate, não conheci meu pai e dormi na rua. Ainda menino, fui para Porto União e anos mais tarde vim para Curitiba. Aqui, logo consegui um emprego de barbeiro, que garantiu meu sustento e me rendeu bons amigos, que tenho até hoje. Cortando o cabelo deles ouvi muitas conversas sobre política e sobre o planejamento da cidade. Mas nunca me envolvi em discussões ou polêmicas. Eu não gostava de política, só ouvia o que era dito e se me perguntassem, dizia que todos estavam certos. Discussões nem de política ou de futebol”, entrega Zé.

Conforme a música

Se no dia a dia Zé Trindade era discreto e, como ele mesmo afirma, “dançava conforme a música”, na noite curitibana ele se soltava. Conhecendo bem a cena boêmia da cidade, Zé se divertia com seus amigos e conquistava paixões, que lhe renderam três casamentos e quatro filhos.

Entre seus parceiros, pelas casas noturnas e happy hours, estavam alguns os clientes ilustres. “Eu gostava de ir aos bailes, de ouvir boa música e de ver as pessoas dançando. E meus amigos iam comigo e alguns deles, eram excelentes dançarinos, como o Jaime Lerner, que é um grande pé de valsa”, conta Zé.

E com os amigos, ele conta que aprendeu muito. “Nem todos os meus amigos foram meus clientes, mas todos os meus clientes foram meus amigos. Com eles aprendi que o bom profissional não deve misturar as coisas e que a função de cada um é importante, mas é de cada um. Aprendi também a ser digno destas amizades, tendo sempre educação e respeito. Estes amigos sempre estiveram próximos e hoje, mesmo estando parando, ainda corto o cabelo de alguns, em casa. E com muitos ainda almoço ou sento em uma mesa de bar”, diz.

Sobre as mudanças que presenciou a cidade atravessar, Zé diz que Curitiba já foi melhor, mais segura e mais romântica. Na política, ele, que sempre esteve nos bastidores do poder, acha que o que mais mudou ao longo dos anos foi o acesso e a rapidez com que as informações chegam até nós. “A mídia denúncia muito mais o pessoal. Hoje sabemos o que acontece e a população se manifesta e vai para as ruas. Naquela época não sabíamos de nada. Sentávamos no bar e ouvíamos o rádio”.

Moda atual

Adepto do estilo clássico, Zé conta que sempre cortou o cabelo de seus clientes de acordo com o formato do rosto de cada um, cuidando para que todos estivessem sempre bem apresentáveis, seja para aparecer na TV, em campanhas políticas ou eventos importantes.

“Fazia o corte clássico, penteado. Alguns dos clientes me procuravam a cada 20 dias, para manter o corte em dia. Trabalhei com muitas pessoas que admiro, mas nunca convidei alguém para passar a frequentar meu salão, não achava certo. Eles me procuravam por conta própria. Graças ao meu trabalho, pude cortar o cabelo de um político antes da posse como prefeito e comparecer à cerimônia como convidado. Almocei com ex-presidentes e ministros, frequentei festas e ambientes imponentes. Mas nunca me deslumbrei com isso”.

Perguntado sobre quem tinha o cabelo mais bonito da época Zé confessa: “os que eu fazia eram bons, mas o meu era o mais bonito, obra do meu assistente”. E sobre as tendências atuais, de barba longa e coque no cabelo para os homens, Zé também opina. “Isto é uma brincadeira, moda que eles veem na televisão e copiam. Para os homens com cargos públicos não combina. Já a barba, fica bem para os jovens, mas envelhece os demais”, reflete o experiente barbeiro.

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