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Imagem da assinatura da Constituição dos Estados Unidos, de Howard Chandler Christy: cartas de direitos em outros países democráticos tomaram caminhos próprios | Wikicommons
Imagem da assinatura da Constituição dos Estados Unidos, de Howard Chandler Christy: cartas de direitos em outros países democráticos tomaram caminhos próprios| Foto: Wikicommons

Canadá

Nova superpotência constitucional

Aharon Barak, ex-presidente da Suprema Corte de Israel, identificou no periódico Harvard Law Review, em 2002, uma nova superpotência constitucional: "As leis canadenses", escreveu, "servem como fonte de inspiração para muitos países ao redor do mundo". O novo estudo também sugere que a Carta Canadense de Direitos e Liberdades, adotada em 1982, pode agora exercer mais influência que sua contraparte estadunidense.

A Carta Canadense é, ao mesmo tempo, mais expansiva e menos absoluta. Ela garante direitos iguais para mulheres e portadores de deficiência, permite ações afirmativas e exige que os presos sejam informados sobre seus direitos. Por outro lado, ela equilibra esses direitos com "limites razoáveis" conforme "possam ser demonstravelmente justificados numa sociedade livre e democrática".

Letra morta

O texto em si e a capacidade de colocá-lo em prática

Há, claro, limites para a pesquisa empírica que se baseia em codificação e contagem, e há muito mais na Constituição do que suas palavras, como disse, em outubro, o juiz da Suprema Corte Antonin Scalia ao Comitê Judiciário do Senado dos Estados Unidos.

"Qualquer república das bananas do mundo tem uma Declaração dos Direitos dos Cidadãos", disse ele.

"A Declaração dos Direitos dos Cidadãos do ex-império do mal, a União Soviética, era muito melhor que a nossa", ele disse. E acrescentou: "Nós garantimos o direito à liberdade de expressão e de imprensa. Grande coisa. Eles garantiam liberdade de expressão, de imprensa, de manifestações e protestos públicos, e que qualquer um flagrado tentando suprimir críticas ao governo seria chamado para responder legalmente. Nossa, essas coisas são maravilhosas!"

"É claro", continuou Scalia, "que elas são apenas palavras impressas, aquilo que nossos pais fundadores teriam chamado de ‘garantia no papel’".

A Constituição dos Estados Unidos já viu dias melhores. O documento fundador e texto sagrado para a nação norte-americana é a mais antiga Constituição ainda em vigor em qualquer lugar do mundo. Mas sua influência tem minguado. Em 1987, no bicentenário da Constituição, a revista Time calculou que "dos 170 países que existem hoje, mais de 160 escreveram cartas de direitos tendo a versão dos EUA direta ou indiretamente como modelo". Um quarto de século depois, o quadro geral parece ser bem diferente.

"A Constituição dos EUA parece estar perdendo seu apelo como modelo para os redatores constitucionais no restante do mundo", segundo um novo estudo conduzido por David S. Law, da Univer­sidade de Washington em St. Louis, e Mila Versteeg, da Univer­sidade da Virgínia. A pesquisa, que será publicada em junho no periódico New York University Law Review, fervilha de dados. Seus autores codificaram e analisaram as provisões de 729 constituições adotadas por 188 países entre 1946 e 2006, e consideraram 237 variáveis no que diz respeito a vários direitos e modos de aplicá-los.

"Entre as democracias do mundo", concluíram, "a similaridade constitucional à dos Estados Unidos tem entrado claramente em queda livre." Durante os anos de 1960 e 1970, as constituições democráticas como um todo se tornaram mais semelhantes à Constituição dos EUA, para depois seguirem o caminho contrário durante os anos de 1980 e 1990.

"A virada para o século 21, no entanto, viu o começo de uma queda brusca que continua até durante os anos mais recentes dos quais temos dados, chegando ao ponto de que as constituições das democracias do mundo são, em média, menos semelhantes à Constituição dos EUA agora do que eram no final da Segunda Guerra Mundial."

Motivos

Há muitas razões possíveis. A Constituição dos Estados Unidos é concisa e antiga, e garante relativamente poucos direitos. A influência minguante do documento também pode ser parte de um declínio geral do poder e prestígio dos EUA.

Em entrevista, Law identificou um motivo central para essa tendência: a disponibilidade de sistemas operacionais mais novos e mais atraentes no mercado constitucional. "Ninguém quer copiar o Windows 3.1", ele disse.

Numa entrevista para a televisão durante uma visita ao Egito na semana passada, a juíza da Suprema Corte Ruth Bader Ginsburg parecia concordar. "Eu não prestaria muita atenção na constituição dos Estados Unidos se eu estivesse elaborando uma constituição no ano de 2012", ela disse. Em vez disso, ela recomendou a Constituição da África do Sul, a Carta Canadense de Direitos e Liberdades ou a Convenção de Direitos Humanos europeia.

Carta não recebeu reformas significativas ao longo de 200 anos

Os direitos garantidos pela Constituição dos EUA são parcimoniosos para os padrões internacionais e estão congelados no tempo. Como escreveu Sanford Levinson em 2006 em seu texto Nossa Constituição Antidemocrática, "a Constituição dos EUA é a mais difícil de se emendar de todas as Constituições atualmente existentes no mundo de hoje" (a Iugoslávia costumava ter esse título, mas ela não deu certo).

Outras nações rotineiramente fazem completas mudanças em suas constituições, substituindo-as a cada 19 anos, em média. Por uma estranha coincidência, Thomas Jefferson, numa carta de 1789 a James Madison, disse que todas as constituições "expiram naturalmente ao fim de seus 19 anos" porque "a terra pertence sempre à geração vivente".

Atualmente, a coincidência entre os direitos garantidos pela Constituição e os direitos mais populares no mundo está irregular. Reconhecemos direitos que não são amplamente protegidos, inclusive o direito a um julgamento rápido e público, e estamos sozinhos na proibição do estabelecimento governamental de religião.

Mas a Constituição está fora de ritmo com o restante do mundo ao fracassar em proteger, pelo menos com tantas palavras, o direito de ir e vir, a presunção de inocência e o direito à alimentação, educação e cuidados de saúde. Além disso, apenas 2% das constituições do mundo protegem, como a Segunda Ementa da Constituição americana, o direito de portar armas (casos semelhantes ocorrem na Guatemala e México).

A estatura global minguante da Constituição é consistente com a influência reduzida da Suprema Corte, que "perde o papel central que já teve entre as cortes de democracias modernas", segundo escreve Aharon Barak, o então presidente da Suprema Corte de Israel, no periódico Harvard Law Review, em 2002.

Muitos juízes estrangeiros afirmam terem se tornado menos propensos a citar decisões da Suprema Corte dos EUA, em parte por conta daquilo que consideram ser paroquialismo. "Os EUA correm o perigo, creio, de se tornarem algo como um fóssil vivo no que diz respeito às suas leis", disse o juiz da Suprema Corte australiana Michael Kirby numa entrevista de 2001. Ele disse que preferia observar a Índia, a África do Sul e a Nova Zelândia.

Tradução: Adriano Scandolara

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