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Recuperação das caixas-pretas do voo  AF-447 confirmam falhas no tubos de Pitot.  Na foto, caixa-preta no mar | Divulgação
Recuperação das caixas-pretas do voo AF-447 confirmam falhas no tubos de Pitot. Na foto, caixa-preta no mar| Foto: Divulgação

Há cerca de 18 meses, dois consultores de segurança aeronáutica da França, os pilotos Gérard Arnoux e Henri Marnet-Cornus, divulgaram um relatório de 600 páginas sobre o acidente do voo AF-447, perdido no Atlântico quando realizava o percurso Rio-Paris, em 31 de maio de 2009. No documento, os experts antecipavam um fato agora comprovado pelo Escritório de Inves­­tigação e Análise para a Aviação Civil (BEA): um defeito nas sondas de velocidade, os tubos de Pitot, é a falha que originou a cadeia de even­­tos que determinou o crash. Em entrevista, os dois especialistas comentam o relatório divulgado pelo BEA na última sexta-feira, voltam a levantar suspeitas sobre a independência do órgão e questionam a hipótese de que os pilotos tenham cometido erros.

Quais são as impressões dos senhores sobre o relatório apresentado pelo BEA?

Arnoux – Eu tenho uma desagradável sensação. Vê-se que o BEA acentua a hipótese de erro de pilotagem para afastar os projetores do defeito latente que afeta os tubos de Pitot há nove anos, responsabilidade da Airbus. É um relatório que evita comunicar alguns dados im­­portantes. Falta por exemplo a in­­dicação das velocidades que aparecia nos instrumentos nos quais os pilotos acionam determinados comandos. Faltam as trocas entre os copilotos e o comandante, que volta à cabine no momento em que o avião está a 35 mil pés.

Marnet-Cornus – Só tenho a adicionar um ponto: procure a palavra "Pitot" nesse relatório. Ela não é utilizada pelo BEA. Ao admitir os defeitos dos pitos, teríamos de voltar anos e anos para flagrar decisões que foram tomadas por órgãos como a Agência Europeia pela Segurança da Aviação (EASA) e à Direção Geral de Aviação Civil (DGAC), da França, que certificaram as sondas Pitot Thales AA defeituosas. Penso também em todos os incidentes graves que já aconteceram desde a concepção destas sondas. Há um debate de fundo que o BEA quer ocultar.

Por que o BEA ocultaria informações?

Arnoux – O BEA oculta o debate de fundo pelo fato de o escritório ser uma agência governamental de segurança. Ser órgão de investigação e análise não quer dizer apenas se encarregar do acidente, mas também de todos os incidentes graves ocorridos com aeronaves, fazer estudos e elaborar recomendações. Ora, o BFU, o "BEA alemão", fez recomendações sobre sondas de velocidade de modelos mais antigos desde 1999, enquanto o BEA falhou em suas obrigações regulamentares. Se o BEA falhou em seu trabalho sobre os Pitots, é melhor não falar de Pitots.

Mas Jean-Paul Troadec, diretor do BEA, disse uma frase emblemática: "Se não tivesse havido problemas nos tubos de Pitot, não teria havido acidente."

Arnoux – Troadec levou dois anos para percorrer o caminho para o qual nós alertávamos quase desde o primeiro dia.

Marnet-Cornus – De toda forma, Troadec não poderia mais dizer o contrário, porque o relatório é claro: tudo o que detona o evento catastrófico é o bloqueio das sondas Pitot por cristais de gelo. É evidente.

Arnoux – E isso acontece no momento em que a aeronave enfrenta uma condição meteorológica normal.

A atitude dos pilotos após as panes talvez seja a zona escura que resta nessa investigação. Vocês creem em um erro de pilotagem induzido pelas falhas?

Arnoux – É preciso lembrar que tudo estava normal até o bloqueio das sondas Pitot. A tripulação é muito profissional. O comandante de bordo se repousa, a situação é calma, a despeito de alguma turbulência assinalada. A propósito da reação dos copilotos que comandam naquele momento, há ordens, expressas por movimento do manche, para "empinar". Essa ordem parece não ser apropriada. Mas nós sabemos as informações que os pilotos tiveram em seus aparelhos? Ora, o problema das sondas Pitot é justamente gerar informações enganosas sobre a velocidade. Se temos alarmes e uma velocidade indicada nos instrumentos de 1000 km/h, o reflexo do piloto que comanda o avião é de aumentar a altitude para reduzir a velocidade. Até aqui, o BEA não nos disse qual era a velocidade indicada no momento em que os pilotos posicionaram o manche.

Falemos de Airbus. Seu famoso sistema "Fly by wire" pode ter tido um papel neste acidente ou em outros incidentes?

Marnet-Cornus - Em janeiro de 2011, Airbus indicou que em situação de perda de sustentação, este avião pode ser irrecuperável. Esse é um ponto de discussões por si só: como uma aeronave em situação de voo pode em determinadas circunstâncias se encontrar em situação irrecuperável? Como esse avião pôde ter sido certificado? Como foram feitos os testes de perda de sustentação? É preciso que isso venha a ser esclarecido.

Mas essa mesma tecnologia será adotada por Boeing em seu mais recente projeto, o 787 Dreamliner.

Arnoux – Não é a tecnologia Fly by wire que está em questão. Deixou-se o avião muito menos nas mãos dos pilotos, porque a aeronave se autoprotege, e as ordens do piloto são filtradas pelo sistema informático. Boeing já faz Fly by wire no 777, por exemplo, mas os pilotos têm mais controle do avião do que os Airbus. Os aviões de negócios de Dassault, que são fantásticos, adotaram o Fly by wire há décadas, mas há um pequeno botão vermelho que permite cortar todo o sistema informático e devolver o comando ao piloto.

Há dúvidas no Brasil no que diz respeito à meteorologia na noite do acidente. Vocês acreditam que esse pode ter sido um fator relevante?

Marnet-Cornus – Infelizmente, naquela noite, houve uma evolução imprevista. As cartas de preparação do voo não corresponderam à realidade.

Arnoux – A Lufthansa usa um binóculo, enquanto a Air France usa um óculos para miopia. Precisamos pressionar quem decide, para que eles passem a usar tecnologias do século 21. Voarmos como nos anos 70 não faz sentido.

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