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Depósito da Delegacia da Polícia Federal de Cascavel: arrocho na fiscalização mudou o perfi do tráfico e do contrabando | Daniel Castellano/ Gazeta do Povo
Depósito da Delegacia da Polícia Federal de Cascavel: arrocho na fiscalização mudou o perfi do tráfico e do contrabando| Foto: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo
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  • O crack vem ampliando sua participação no narcotráfico paranaense

Principal rota do tráfico e contrabando entre Paraguai e os estados do Sul e Sudeste, o Paraná é líder de apreensões de uma série de produtos ilícitos. Entre eles, o crack ganha cada vez mais destaque – sua presença na sociedade inchou 12 vezes nos últimos cinco anos, segundo números do governo do estado. As ações de repressão em 2008 mostram quanto o Paraná é importante para o tráfico de crack: 41% das 515 mil pedras apreendidas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) se concentraram no estado.

O levantamento do Narcodenúncia 181, que compreende as atividades das polícias Militar, Civil, Federal e Rodoviária Federal, revela que um recorde de 1,4 milhão de pedras foi apreendido pelas autoridades paranaenses no ano passado, justamente em um período em que as apreensões de cocaína e maconha caíram 66% e 25% em volume, respectivamente.

O estado do Paraná é uma rota natural do contrabando, pela extensa fronteira Oeste e a geografia de ligação do Sudeste com a Região Sul. Oriundos principalmente do Paraguai, através do Paraná, os produtos abastecem os mercados de São Paulo e do litoral da Região Sul, que concentra maior riqueza entre a população e também "tem um potencial de consumo de drogas muito grande", segundo o delegado-chefe da Polícia Federal de Guaíra, Érico Saconato. No caso da cocaína produzida nos países andinos, como Colômbia e Bolívia, a intensificação da fiscalização na Região Norte tem feito com que a droga entre no Brasil por baixo, também via Paraguai.

Apesar do contínuo crescimento no confisco do crack, que sinaliza o domínio que a droga vem exercendo nas ruas, os números de apreensão em 2008 mostram queda no recolhimento de maconha, cocaína e de produtos de contrabando como eletrônicos e equipamentos de informática. Entre os motivos para isso podem estar o domínio do consumo do crack sobre outras drogas e até mesmo a oscilação da economia, especialmente nos valores do câmbio, que sazonalizariam a demanda. Ninguém, no entanto, acredita que o tráfico tenha diminuído na proporção que os números mostram.

O chefe estadual da seção de Policiamento e Fiscalização da PRF, inspetor Gilson Cortiano, avalia que a diminuição de apreensão de alguns itens é causada pelas mudanças na relação entre as facções criminosas e a ação das polícias nos últimos anos. Depois que o reforço da estrutura policial e a nova aduana inibiram o contrabando em Foz do Iguaçu, os agentes do tráfico tiveram de inventar novas rotas e formas de transportar seus produtos para conseguir burlar a fiscalização. Segundo informações da PRF de Cascavel, por exemplo, hoje não há mais tráfego de ônibus dos populares "muambeiros" na principal rodovia que liga ao Oeste do estado – quem passa com contrabando tem de fazer desvios de aproximadamente 30 quilômetros de distância do posto de polícia.

Boa parte da atividade ilegal de Foz de migrou para o Noroeste, na região de Guaíra, o que provocou mudanças profundas, até mesmo de especulação imobiliária, na até então pequena cidade do interior. "O contrabando continua vindo para o Brasil em quantidades substanciais", admite o inspetor, "e as polícias estão reforçando seu efetivo para dar um novo golpe na repressão a essas atividades na região".

Segundo o delegado Érico Saconato, uma série de fatos negativos registrados em Guaíra em 2008, como a chacina de 15 pessoas ocorrida em setembro, voltou as atenções para a região. "Hoje isso está ficando mais claro. Os Três Poderes estão mostrando entender que Guaíra não é só uma cidadezinha de 30 mil pessoas perdida na fronteira, mas um município importante no combate ao tráfico e ao contrabando no Brasil", diz. Para ilustrar isso, segundo Saconato, Guaíra hoje tem 250 presos na delegacia da cidade, enquanto municípios do mesmo porte costumam ter apenas 30 ou 40 encarcerados.

Ainda no ano passado as polícias Civil e Rodoviária Federal receberam reforços em Guaíra, como a criação da Delegacia Marítima da Polícia Federal. Para 2009, está prevista uma nova companhia independente da Polícia Militar. "Também temos a promessa de que a próxima Vara Federal a ser criada no país será em Guaíra", disse Saconato.

Criatividade

Aperfeiçoamento profissional, planejamento e inteligência são os pré-requisitos para que as polícias consigam acompanhar a criatividade das facções do crime organizado no combate às novas formas de tráfico contrabando, segundo o inspetor da PRF-PR, Gilson Cortiano. De acordo com ele, 2008 foi marcado pelo reconhecimento de novos métodos de contrabando, principalmente o transporte em pequenas quantidades – técnica que favorece o tráfico do crack e de pequenos componentes de informática, por exemplo. Ao invés de um porta-malas cheio de produtos ilícitos, como se via antigamente, agora pequenos nichos estão dominando – de solas de calçado vazadas a partes íntimas do corpo. "Isso exige uma preparação cada vez maior da inteligência das polícias, que estão se qualificando para identificar o modus operandi do crime e agir a cada readequação que os traficantes e contrabandistas realizam", diz.

A apreensão de veículos pelas delegacias da PRF de Cascavel e de Foz do Iguaçu aumentou quase 40% em relação a 2007, chegando a 1.291 encaminhamentos à Receita Federal – o equivalente ao recolhimento de um carro a cada sete horas. "Ultimamente, tem sido comum recuperar o veículo antes mesmo de o proprietário saber que seu carro foi furtado. Ele vai registrar o furto só depois que já foi recuperado pela polícia", conta o inspetor da PRF de Foz do Iguaçu, Wesley Rota. De acordo com ele, a rotina do contrabando de automóveis já está mapeada. "É comum o veículo ser furtado por um brasileiro em estacionamentos grandes, como em universidades, do lado paraguaio. Perto da Ponte da Amizade, o ladrão passa o automóvel para um paraguaio fazer a passagem para o lado brasileiro", conta. As abordagens de rotina invariavelmente questionam o motorista e identificam o suspeito. O pagamento médio para as "mulas" fazerem esse serviço vai de R$ 100 a R$ 200, segundo o inspetor Rota.

Mãos atadas

Fora das estradas e na rotina da ponta do tráfico, a polícia enfrenta também outros desafios. "O problema é que os traficantes se adaptam. Eles vão ficando mais ousados", conta o tenente-coronel Jorge Costa Filho, coordenador do serviço Narcodenúncia 181 e comandante do policiamento da capital. Ele aponta, por exemplo, uma prática atual entre mulheres traficantes: no centro, onde há dezenas de câmeras de vigilância, elas passam pedras de crack por meio de um beijo – dessa forma, a polícia se vê impossibilitada de aplicar um flagrante. Oficialmente, "vender" um beijo não é ilegal. Mesmo assim, se os suspeitos forem abordados pela polícia, podem simplesmente engolir a pedra e sumir com as evidências.

"Eles se valem da lei", diz o coronel. Andam sempre com pequena quantidade para se dizerem apenas usuários, e tradicionalmente também usam adolescentes (protegidos pela lei) como mulas. "Por isso, o nosso enfoque atual é centrar esforços para desmantelar o atacado, o fornecedor, para que chegue menos droga no varejo, no pequeno traficante". Ele se mostra favorável a uma mudança na legislação, a exemplo de outros países, que permitem a nulidade da pena caso o traficante apreendido colabore com as investigações. "Hoje, no Brasil, podemos apenas atenuar a pena caso o traficante detido colabore. A guerra contra o narcotráfico seria bem mais eficiente, como em outros países, se tivéssemos segurança jurídica para anular o processo daquele pequeno traficante que se comprometesse a entregar o seu fornecedor", avalia Costa.

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