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| Foto: Alexandre Carvalho/A2img

O zika prospera em climas tropicais, mas também está crescendo em Madison, Wisconsin, nos Estados Unidos, cidade de clima frio, em um lance de escadas, na entrega de um folheto para ioga na hora do almoço e por trás de uma porta trancada. É aí que cientistas que trabalham em um laboratório para a Takeda, empresa farmacêutica japonesa, inspecionam e testam frascos contendo o vírus.

Eles estão envolvidos em uma corrida usando todos os recursos disponíveis para deter o vírus causador de uma doença que alarmou o mundo por causa de suas ligações com graves defeitos de nascimento. Dia e noite, esses pesquisadores tentam decifrar seu código. “Somos escravos das células”, disse Jeremy Fuchs, pesquisador do laboratório.

E não são os únicos. Talvez nunca antes tantas empresas e organizações governamentais trabalharam tão rapidamente para produzir uma imunização a partir do zero. Geralmente o desenvolvimento costuma levar uma década ou mais, mas pesquisadores dizem que uma vacina contra o zika poderia estar disponível em 2018, o que seria um resultado notável em dois anos.

Mais de 12 empresas estão na batalha, além de apoiadores do governo como o Instituto Nacional de Saúde (NIH) dos Estados Unidos. Para garantir o sucesso, algumas equipes empregam tecnologias inovadoras que dependem do “splicing” de DNA, um método que tem potencial para revolucionar o desenvolvimento de vacinas, mas que ainda não foi aprovado para uso em seres humanos.

O prestígio de resolver o problema e a oportunidade de salvar vidas são as maiores recompensas; para as empresas, o motivo é o potencial significativo de lucro. Ao contrário de muitos surtos virais recentes, que têm sido limitados a zonas mais pobres, o zika se espalhou em países como o Brasil e Estados Unidos, com milhões de pessoas ricas e governos que podem bancar campanhas de vacinação pública.

“É bem pouco comum. Isso reflete a grande oportunidade e a necessidade de saúde pública, além do fato de que temos mais tecnologias disponíveis hoje”, disse o Dr. Thomas P. Monath, diretor científico e chefe de operações da NewLink Genetics, uma das empresas que tenta desenvolver uma vacina.

Mas o cumprimento desse cronograma tão ambicioso ainda não está garantido. Para manter o ritmo acelerado, alguns organizadores de exames clínicos estão tentando iniciar testes na América do Sul durante os próximos meses, quando as taxas de infecção do zika deverão estar no auge pico na região.

Testes em zonas afetadas

Se uma ou mais vacinas forem bem sucedidas, ainda não está claro quem as receberia. O medicamento poderia ser utilizado apenas durante surtos, ou poderia se tornar rotina em algumas partes do mundo.

As tentativas iniciais da vacina baseada em DNA desenvolvida pelo NIH estão em andamento e estudos começaram em Porto Rico, com uma vacina semelhante sendo desenvolvida pela Inovio.

O próximo passo será testar as vacinas em um grande número de pessoas que vivem em áreas onde o zika está presente. Essa etapa deve ser bem definida para que os testes ocorram apenas no momento certo, no pico do verão da América Latina, que começa em dezembro.

Não se pode perder nenhum dia. Coordenadores dos testes do NIH estão determinando áreas experimentais em mais de 20 locais da América Central e do Sul. Assim que começarem, os coordenadores acompanharão casos locais de zika, movendo recursos para onde há focos e longe de lugares onde o vírus está tranquilo.

O momento é crucial. Um surto de zika oferece um campo de testes ideal para a vacina, para que a medicação preventiva possa ser avaliada em uma população exposta ao vírus. Assim, os pesquisadores sabem em um curto espaço de tempo se os produtos testados são eficazes.

Se perderem a oportunidade, a vacina poderia ser adiada por um ano ou mais, o que pode levar a outros milhões de pessoas infectadas com o vírus.

“É uma corrida contra a natureza”, disse Michel De Wilde, consultor de pesquisa de vacina e antigo executivo da Sanofi, fabricante francês desse tipo de medicamento.

O vírus, transmitido por mosquitos e relações sexuais, já foi relatado em mais de 70 países. Em meados deste ano, chegou aos EUA, espalhando-se rapidamente em Porto Rico e aparecendo em Miami. Autoridades do governo aconselharam mulheres grávidas a evitar partes da cidade onde o vírus está ativo. Em um sinal de que o zika será uma ameaça constante, a Organização Mundial de Saúde recentemente revogou sua declaração de emergência de nove meses e disse que passaria a fazer um trabalho de longo prazo para combater o vírus.

A escalada da atenção é notável. Identificado há quase setenta anos, o vírus zika foi considerado basicamente inofensivo porque cerca de 80 por cento das pessoas infectadas não apresentam nenhum sintoma.

Mas cerca de um ano e meio atrás, as autoridades brasileiras começaram a dar o alerta, dizendo que o vírus era culpado por um misterioso surto de bebês nascidos com microcefalia, ou seja, cabeças muito pequenas e cérebros malformados. Ao mesmo tempo, fotos comoventes de crianças nascidas com a condição se espalharam pelo mundo.

Barney S. Graham, diretor adjunto do Centro de Pesquisa de Vacina no NIH, estava em uma reunião, em julho de 2015, quando soube da ameaça. Um médico brasileiro o puxou de lado em uma reunião em Bethesda, Maryland, que havia sido convocada para discutir a chikungunya, outra doença tropical.

“Sei que estamos aqui por causa da chikungunya, mas preciso falar sobre o vírus zika”, Graham conta que o médico lhe disse.

Nos meses seguintes, a ligação parecia cada vez mais clara e autoridades de saúde pública previram que o vírus provavelmente iria infectar milhões de pessoas. Em dezembro, o Dr. Anthony S. Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas do NIH, convocou uma reunião com a cúpula de sua equipe de vacina.

Reuniões semelhantes estavam ocorrendo em outras partes do setor – em pequenas empresas como a Inovio Pharmaceuticals e a NewLink, nos escritórios de grandes fabricantes como a GlaxoSmithKline e a Sanofi e o Walter Reed Army Institute of Research, que fica a poucos quilômetros do campus em Bethesda, onde trabalha a equipe do NIH de Fauci.

“Eu disse: ‘Todo mundo a postos. Temos um problema sério aqui. Temos que nos mexer’”, recorda-se Fauci.

Confiança e apostas altas

Não há uma única pessoa responsável por uma operação tão generalizada como a corrida pela vacina contra o vírus zika, mas certamente, Fauci é quem está mais próximo do centro do processo e tem uma perspectiva singular.

Ele é um imunologista de 75 anos e comanda o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas há mais de três décadas, tendo participação importante em quase todas as principais epidemias desde a década de 1980.

E diz que o vírus zika não tem muita chance.

“Não querendo parecer presunçoso, mas muita gente no setor sente que iremos conseguir uma vacina contra o zika; é realmente uma questão do que é o melhor, com que rapidez é possível atingir a meta, se é segura e se pode ser feita em grande escala”, disse Fauci recentemente, com seu sotaque em staccato do Brooklyn ressaltando sua confiança.

Sua equipe, assim como outras que buscam a vacina, começaram com algumas vantagens. Por um lado, os incentivos econômicos são claros. A primeira empresa a desenvolver uma vacina eficaz vai se destacar em um mercado que, no fim das contas, poderia obter bilhões em lucro. E porque alguns governos estão pagando por parte do desenvolvimento precoce, o risco financeiro é limitado.

Além disso, a doença pertence a uma família de vírus conhecido como flavivírus, que os cientistas combatem há mais de um século. Já existem vacinas para algumas dessas cepas, como o da febre amarela, da encefalite japonesa e da dengue.

Outro bom sinal: adultos infectados com o zika parecem lutar contra a doença por conta própria, ou seja, o próprio corpo, se tiver as ferramentas certas, já tem os recursos para derrotá-lo.

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