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A organização não-governamental Instituto Lixo e Cidadania foi criada há três anos para ajudar carrinheiros a se cotizarem em pequenas cooperativas. A ONG acompanha de perto 14 associações já estabelecidas e 18 possíveis miniusinas de material reciclado em vilas de Curitiba e da região metropolitana. Por alto, são 500 envolvidos no arrastão. Parte do programa, orçado em R$ 13 mil por mês, é financiado pela Itaipu Binacional e num barracão de parede rente à sede do projeto, na Vila das Torres, já se pode ver os primeiros resultados. Ali, 12 famílias de papeleiros formam uma espécie de núcleo modelo do que a atividade um dia pode se tornar.

Organizar os catadores de papel não é tarefa para amadores. O grupo, estimado em 2,3 mil pessoas na capital paranaense, acumulou um patrimônio de vícios incompatíveis com o rigor das cooperativas. Homens e mulheres do carrinho – já parte da paisagem urbana – costumam fazer seu próprio horário, esticando ou encurtando o expediente ao sabor das necessidades. Também gostam de receber o mais rápido possível pelo que acumularam, vendendo o peso de um dia para o atravessador mais próximo. Para o que não precisam muito esforço, já que o quilo costuma custar míseros R$ 0,12. Chegar às 30 toneladas/mês mínimas exigidos para venda direta, a preços mais justos – próximos de R$ 0,38 –, só se for juntando montanhas de papel com os vizinhos. Mas a proposta ainda esbarra na cultura de liberdade quase riponga do setor.

A rotina sem lei e sem ordem, contudo, costuma castigar não só os trabalhadores – cujos rendimentos, estimam os ongueiros, não ultrapassam R$ 150 por mês – mas também seus filhos. "A concorrência é grande. Tem muito carrinheiro na praça. Há uma relação de amor e ódio com a profissão, o que atrapalha as tentativas de organização", diz Marilza Aparecida de Lima, 35 anos, ex-papeleira, atualmente educadora social na Lixo e Cidadania.

Desconfiança

Em miúdos, o modelo socializado costuma ser visto com rabo de olho, mesmo com promessa de renda maior. Para quem puxa papel rua acima, rua abaixo, a suspeita de que vai dividir ganhos com quem carregou menos peso que ele inviabiliza qualquer negócio. A desconfiança aumenta à medida que o carrinheiro associa disciplina e compromisso com a idéia de voltar a ter patrão. Nada feito – mesmo que isso implique em levar mulher, filho e cachorro sobre duas rodas.

Não por menos, uma das tarefas mais ingratas dos profissionais do terceiro setor como Marilza é convencer a não colocar as crianças no caos da vida carrinheira, quase sempre sem sucesso. Vira e mexe os pequenos são carregados para o asfalto, ajudando na catação, ao preço de abandonar a escola, perder a vaga na creche e estar sujeito a todos os perigos da rua. Que não são poucos.

O Instituto Lixo e Cidadania ainda não tem um levantamento exato das condições familiares das pessoas com quem atua, o que inclui a quantidade de pequenos que sai de casa todos os dias atrás de papel, plástico e afins. O momento tem sido de aproximação, em especial com os 300 jovens e adolescentes que marcam presença nos projetos da ONG, de uma oficina de serigrafia à panificadora que ao final de cada tarde abastece a turma que pegou no batente.

A pedagoga e ex-conselheira tutelar Sueli Elizabeth Westarb, 53 anos, faz o que pode para reduzir a lotação infantil nas carrocinhas. Criou o bordão "criança no lixo nunca mais", chama atenção, aconselha, oferece oficinas de cooperativismo e associativismo, além de almoço à bagatela de R$ 1 – para que os papeleiros comecem a labuta mais cedo, garantia de que vão chegar em casa na hora de colocar as rebentos para dormir na hora adequada.

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