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No embalo de um balanço improvisado com corda e travesseiro, a pequena Paula vê sumir e reaparecer a imagem dos pais de dentro de um carrinho de catar papel estacionado numa esquina de Curitiba. "Mamãe, papai, mamãe, papai", cantarola a menina de 5 anos, com as poucas palavras que pronuncia corretamente. Desde bebê ela acompanha os pais numa empreitada diária que começa às 4 horas da manhã, no Jardim Eldorado, em Almirante Tamandaré – região metropolitana da capital, e só termina no início da tarde, com o retorno para casa. Brincar no balanço ou com alguns poucos brinquedos é o que faz as horas passarem para a menina. Quando está cansada, Paula ajeita um acolchoado, cobre-se com o cobertor e dorme. Tudo dentro do carrinho. "Preferia não trazer ela junto, mas a única creche que tem perto da nossa casa é paga", justifica a mãe, Natália Victoriano Marques, de 44 anos.

Não é preciso sair de Curitiba para encontrar gente sofrendo por falta de um local adequado para os filhos. O problema está espalhado por todos os cantos da capital – com destaque para a Região Sul, que foi a que mais cresceu nos últimos anos. Segundo levantamento do Ministério Público feito com dados do Ipardes (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social), existe hoje na cidade um déficit de mais de 40 mil vagas para a educação infantil (0 a 6 anos). A Secretaria Municipal de Educação (SME) não confirma o dado – sem números definidos, informa apenas que a carência não chega a 20 mil vagas. "Mas o problema realmente é sério", reconhece o superintendente executivo da SME, Jorge Eduardo Wekerlin.

Onde há creche, há fila. Na Vila Parolin, região carente próxima ao Centro de Curitiba, a creche da prefeitura que atende 160 crianças tem 350 na fila de espera. "As mães já vêm grávidas procurar por vaga", diz uma funcionária, que preferiu não ser identificada. É assim também no Bairro Alto, onde a creche Irmã Dulce tem 220 crianças na fila contra um atendimento limitado a 100. A empregada doméstica Marlei da Silva, 29 anos, conta que já procurou pelo menos cinco creches em busca de uma vaga para o filho de 6 meses. "Todas têm fila e eles nem dão muita esperança", diz ela. Ainda que consiga uma vaga, a creche mais próxima da casa de Marlei fica a 20 minutos de ônibus. O problema da doméstica parece uma praga na vizinhança de onde ela mora, na Vila Audi, no bairro Uberaba. A poucas quadras da casa dela, Catiucia Varela, de 21 anos, deixou o trabalho de operadora de caixa para cuidar da filha de 3 anos e o bebê de 1 mês. "A única ajuda que eu recebo é da minha mãe, eu não tenho marido", afirma.

São histórias que se repetem nas áreas de baixa renda. Por falta de vagas em creches e pré-escolas públicas, mulheres deixam de trabalhar e diminuem a renda familiar, catadoras de papel levam seus filhos para a rua, pessoas despreparadas assumem o papel de babá e crianças pequenas são cuidadas pelos irmãos maiores ou são deixados sozinhos em casa. "É um problema tanto de nível educacional como social. A criança tem o direito a ser educada. Com este direito negado, desde a infância já se cria a desigualdade social", avalia a promotora da 1.ª Vara da Infância e Juventude, Cynthia de Almeida Pierri. Os danos também podem ser psicológicos, informa a psicóloga Paula Gomide, assessora do governo do estado para assuntos da infância e adolescência. "A criança que não recebe carinho, afeto e que não vive num ambiente claro e limpo tende a um desenvolvimento psicológico e motor distorcido. É o futuro adolescente infrator e adulto com distúrbios comportamentais", alerta a especialista.

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