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Júlia ensinou a mãe, a publicitária Maria do Rocio, a reciclar o lixo: menina quer um mundo melhor como herança | Valterci Santos/ Gazeta do Povo
Júlia ensinou a mãe, a publicitária Maria do Rocio, a reciclar o lixo: menina quer um mundo melhor como herança| Foto: Valterci Santos/ Gazeta do Povo

Cidadania exercida em tempo real

A educação tem um papel fundamental nessa mudança nas crianças. É claro que o tempo de brincar é importante, mas o que é ensinado na sala de aula vai muito além dos livros. Se antes assuntos como solidariedade e consciência ambiental eram temas de adultos, ensiná-los às crianças agora é um caminho para ter uma geração mais consciente no futuro. Rita Egashira, gestora do Colégio Dom Bosco, diz que os professores têm papel fundamental na construção da cidadania. "Aquela ideia de que os meninos e meninas seriam cidadãos do futuro passou. Eles têm de ser cidadãos agora". Ela explica que muitos assuntos antes restritos ao mundo adulto atualmente fazem parte do repertório das crianças. "É preciso trazer isso para o universo infantil. Hoje elas participam de tomadas de decisões".

A orientadora do Colégio Po­­sitivo Gilciane Ortolani diz que a educação trabalha essas temáticas tanto de forma direta quanto de maneira transversal, como quando há a participação dos pais para a realização de uma tarefa. A cada mês, por exemplo, são trabalhados determinados valores com os alunos, como a paz, e a família auxilia. "A tecnologia afastou um pouco as relações humanas. A escola tem a importante responsabilidade de abordar assuntos dos quais antes somente as famílias davam conta".

As duas concordam, no entanto, que, mesmo que a escola faça seu papel, de nada adiantará este conhecimento se ele não for direcionado. A consciência ambiental não pode ficar somente na teoria, sob pena de esse aprendizado se perder. "Se tivermos um volume de pessoas que vivam e entendam a realidade de que os recursos naturais são finitos, é provável que tenhamos uma geração melhor. Mas as crianças sozinhas não podem fazer isso. Elas estão sujeitas à influência do adulto", diz Rita. Gilciane afirma que apenas a informação pela informação não agrega. "É preciso também reflexão e ação".

Para a pedagoga da Escola Trilhas Jordana Botelho Dalla Vecchia, já é consenso entre os educadores que esses temas precisam estar na sala de aula, mas o desafio é colocá-los em prática. A pedagoga acredita que a educação ambiental, por exemplo, deve ser algo presente no cotidiano da escola e não somente em ações pontuais.

Todo mundo, quando criança, já ouviu a frase: "O que você vai ser quando crescer?". Os jogadores de futebol e modelos do futuro, as profissões mais citadas, terão outras preocupações, como o meio ambiente e a alimentação. Diferentemente do que acontecia poucos anos atrás, a criançada hoje participa e influencia as decisões da família. Elas são alvo de todo tipo de campanha e informação: de separação de lixo às regras de trânsito e alimentação saudável. A expectativa é a mesma: conscientizar as novas gerações para um mundo melhor no futuro. Para especialistas, há boas chances de isso ocorrer, mas tudo depende de como esse aprendizado será conduzido.

As meninas Júlia Beatriz Vaz de Oliveira e Mariana de Mello Borges, ambas com 9 anos, são um exemplo de como essa geração está antenada com os problemas atuais. Articuladas e inteligentes, as duas têm na ponta da língua lições sobre solidariedade, consciência ambiental e alimentação saudável. E ajudaram a mudar os hábitos de suas famílias, como a implantação da reciclagem de lixo. Além disso, controlam a alimentação e dão dicas para evitar carnes gordas, por exemplo.

Mariana se orgulha de ser uma das melhores alunas da turma e fala com muita empolgação da escola. "Esses dias a professora disse que eu era uma estudante acima da média. Sou muito, muito curiosa e amo aprender". A menina sonha em ser advogada e ajudar mulheres que não têm acesso à Justiça. Na escola, as turmas têm de montar um projeto anual sobre empreendedorismo. A turma de Júlia tinha de produzir uma barraquinha de sanduíches. Ela sugeriu a venda de produtos naturais e saudáveis e a feira foi um sucesso de vendas.

Júlia também desenvolveu na escola um programa para ensinar corretamente as pessoas a recolherem as fezes de cachorro. Com a ajuda dos professores, fez a família toda se reunir para debater temas como a construção da paz. Ela ainda está em dúvida sobre ser modelo ou bióloga, mas prefere a segunda opção porque gosta dos animais. "A escola fica mais divertida quando a gente aprende assuntos diferentes. Aprendemos a ter respeito e a não brigar".

Família

As mães das meninas se espantam com o nível de aprendizado delas. Dia desses, Júlia perguntou à mãe, a publicitária Maria do Rocio Vaz de Oliveira, 41 anos: "Que mundo você quer deixar para mim se não colocar a latinha de refrigerante na lixeira correta?". A publicitária lembra que, durante a sua infância, esses temas não eram conversa de criança. "Não tínhamos informações sobre questões da atualidade como elas têm hoje. Isso faz uma grande diferença. Na minha época de escola, por exemplo, nas aulas de Geografia desenhávamos mapas e hoje eles discutem geopolítica". Júlia lê pelo menos um livro por semana e gosta de assistir documentários na tevê.

Mariana aprendeu a gostar de cinema com o pai e esse é um dos seus principais hobbies. A mãe dela, a fisioterapeuta Neliana Maria de Mello, 43 anos, vive levando bronca da filha para não comer carne vermelha e com gordura. "Estamos passando uma educação para ela diferente da que recebi dos meus pais, porque falamos sobre temas atuais e muitas vezes a Mariana é quem nos ensina".

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Temas prioritários

Educação alimentar

Para uma boa educação alimentar, não há outro caminho para os pais a não ser dar o exemplo. O famoso bordão "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço" não é válido. A opinião é da professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e nutricionista Ana Cristina Miguez. "Não adianta o pai tomar refrigerante e pedir que o filho tome suco". Toda a família tem de participar do processo. Ana Cristina afirma que é importante trabalhar uma alimentação saudável com as crianças porque elas têm mais abertura para mudar hábitos de consumo, que ainda não estão tão enraizados. "O adulto já pode ter restrições alimentares e doenças. Por isso é importante a prevenção". No futuro, a previsão é que esta geração seja mais saudável porque esse tema não estava em pauta há 20 anos. No entanto, a obesidade vem se tornando um problema no país. Em poucos anos o Brasil passou a ter um grande número de pessoas acima do peso. "Esse equilíbrio será difícil. Afinal de contas, ninguém faz uma propaganda dizendo ‘tome água’ ou ‘coma mais frutas’".

Consciência ambiental

Foi por acreditarem que as crianças criarão um planeta sustentável que o casal Germano e Elza Woehl comprou em 1998 um terreno de quatro hectares no interior de Santa Catarina, próximo a Jaraguá do Sul. Lá, ensinaram educação ambiental de forma voluntária. Os anos se passaram, eles criaram o Instituto Rã-Bugio e ganharam da prefeitura uma área de 40 hectares para preservar. Em dez anos de trabalho, 22 mil meninos e meninas visitaram o espaço. Para Elza, as crianças são mais abertas e se encantam com a natureza. "Sempre digo para eles que desses grupos sairão empresários e futuros políticos. Mas eles não terão uma relação de exploração com a natureza e sim de respeito. Serão mais conscientes. Se não for assim, em que vamos acreditar?". O casal desenvolveu uma metodologia. Os pequenos fazem passeios em trilhas, dinâmicas e reflexões. São nesses encontros que, por exemplo, têm a oportunidade de conhecer o raro sapo pingo de ouro, que mede poucos milímetros. O animal foi descoberto na região pelo casal. Como não gostar de um amiguinho assim?

Trânsito

Para ter um trânsito mais humano no futuro, é preciso trabalhar a cidadania com as crianças desde a primeira infância. É nisso que o coordenador do projeto de extensão da Universidade Federal do Paraná Ciclo Vida, José Carlos Belotto, acredita. "Elas precisam aprender a ser pedestres e ciclistas conscientes desde cedo. Assim, quando forem condutores, lembrarão da importância de respeitar o agente mais frágil no trânsito". Ele argumenta que a temática é pouco trabalhada na educação da meninada. Para realmente fazer a diferença no futuro, seria preciso mais ênfase. "Nas escolas, por exemplo, deveria se criar uma disciplina que abordasse a mobilidade". Belotto afirma que as gerações atuais ainda não estão cientes do problema que os transportes causam ao meio ambiente. "Os veículos automotivos são grandes poluidores. Há uma cultura de status em torno do carro. Não se faz mais nada a pé. Os pais precisam dar exemplo". Uma boa dica é ver na escola dos filhos os amigos que moram perto e oferecer uma carona solidária.

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