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José Ananias, ex-prefeito de Guaratuba, removido para Curitiba: investigação apontou político como líder do grupo | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
José Ananias, ex-prefeito de Guaratuba, removido para Curitiba: investigação apontou político como líder do grupo| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Escutas

Mais crimes estão sob investigação

A investigação de Guaratuba poderá até resultar em novas denúncias à Justiça.

A afirmação é do procurador do Ministério Público Federal em Paranaguá, Alessandro

José Fernandes de Oliveira. Segundo ele, as escutas telefônicas autorizadas pela Justiça mostram índicios de que o grupo praticava outros crimes, como prevaricação, corrupção e até crimes eleitorais.

"Não descarto a possibilidade de pedir outras prisões.

Há índicios de envolvimento de outros funcionários públicos", afirmou o procurador. Segundo ele, toda a investigação está sob segredo de Justiça, por isso os detalhes não são revelados. Porém, as gravações realizadas ao longo de três meses comprovam a ligação da quadrilha. "A Polícia Federal cruzou as informações de documentos com as interceptações e delimitou o modus operandi do grupo", ressaltou.

Extração desequilibra ecossistema do Litoral

José Marcos Lopes

O palmito tem uma importante função no ecossistema da Mata Atlântica. Os frutos do palmito-juçara (Eutherpes edulis) servem como alimento para diversos animais, que vão de pássaros, como tucanos, arapongas, jacuaçus, sucuruás e sanhaços, a esquilos e outros pequenos roedores. Com a extração indiscriminada, diminui a oferta de frutos, que são a base da alimentação de diversas espécies durante determinadas épocas do ano. Isso pode alterar toda a cadeia alimentar do ecossistema.

Na coleta ilegal, todos os indivíduos de uma determinada área são extraídos. Um estudo de 2000, feito por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina, indica que seria necessário deixar pelo menos 70 indivíduos em idade adulta por hectare para que a espécie possa ter continuidade.

"Antes da intervenção humana, havia palmito em grande densidade na floresta. Com a extração tudo é cortado, não deixam os porta-sementes para que a espécie se reproduza. Eles colhem de tudo quanto é tamanho", afirma o biólogo Ricardo Miranda de Britez, da Sociedade de Proteção à Vida Selvagem (SPVS). "Não há levantamentos, mas qualquer um pode dizer que a situação é crítica. Tem condições de fazer um manejo sustentado, mas precisaria de uma estrutura governamental para fiscalizar e de uma estrutura de extensão rural para trabalhar com os proprietários. Só que essa estrutura não existe."

A produção voltada à comercialização acaba sendo inviável para populações de baixa renda, já que são necessários de 6 a 7 anos para a primeira colheita. Além disso, no início o palmito deve estar cercado por plantas maiores, que o protejam dos raios solares. "Muitas pessoas não têm alternativa de renda e essa é uma opção, um dinheiro elas po­­dem ganhar. Não têm nem área, en­­tram na área dos outros", co­­menta Ricardo Britez. "E pagam um preço muito barato (para os extratores). Eles sofrem para coletar cada vez mais longe, fazem um trabalho ilegal e continuam em uma condição precária." O palmito é protegido pela Lei da Mata Atlântica (Lei Federal 11.428) e pela Lei de Crimes Am­­bientais (Lei Federal 9.605), como espécie em extinção.

  • Confira como funcionava o esquema segundo a polícia

Dezoito pessoas foram presas ontem em caráter preventivo pela Polícia Federal (PF) no Litoral do Paraná e em Guaramirim (SC), acusadas de integrarem uma quadrilha especializada na extração ilegal de palmito-juçara (espécie em extinção) em três áreas de preservação natural: Parque Nacional Saint-Hilaire/Lange e em Áreas de Pro­teção Ambiental (APA) em Gua­raqueçaba e Antonina. Vinte mandados de busca e apreensão foram expedidos para recolher provas em documentos e notas fiscais. Entre os acusados estão cinco funcionários públicos e o ex-prefeito de Guaratuba José Ananias dos Santos, que é apontado como o mentor da quadrilha e principal beneficiado pelo grupo criminoso. A ilegalidade aconteceria através da Indústria de Conservas Palmeira, pertencente ao ex-prefeito.

Até a noite de ontem, a polícia ainda não tinha conseguido cumprir o mandado de prisão contra o atual vice-prefeito de Guaratuba, José Ananias dos Santos Júnior (filho do ex-prefeito), que também trabalha na empresa da família.

A empresa de Ananias comercializa palmito em São Paulo e Santa Catarina, além do Paraná. A quadrilha é investigada há 11 meses, mas a Polícia Federal (PF) não tinha um balanço da quantidade de palmito extraída irregularmente e do montante arrecadado pelo grupo no período. Além do ex-prefeito, foram presos o procurador-geral do município, Jean Colbert; o sargento da Força Verde (Polícia Militar) Valmor Santana Filho; o fiscal do Instituto Am­­biental do Paraná (IAP) Francisco Antônio Torres de Oliveira; e o chefe da Ciretran em Guaratuba, Mordecai Magalhães de Oliveira. Além deles, a PF prendeu ontem cinco donos de propriedades rurais, cinco funcionários da empresa – entre eles a filha de Ananias, Joice Mara dos Santos – e dois motoristas. Todos são acusados de integrar o grupo e vão responder por vários crimes, como ambiental (pela extração do palmito), formação de quadrilha e corrupção ativa e passiva.

O ex-prefeito José Ananias não quis comentar a prisão. Perguntado sobre as acusações, limitou-se a dizer "nada, nada" enquanto era removido da PF em Paranaguá para o Batalhão da Polícia de Guarda, em Curitiba, onde ficará detido. Ele foi transferido ainda ontem juntamente com outras cinco pessoas para a capital por terem curso superior ou por serem funcionários públicos. Os demais foram levados para delegacias de Paranaguá, Morretes e Antonina.

Segundo o delegado-chefe da PF em Paranaguá, Jorge Luiz Fayad Nazário, a quadrilha montou um grande grupo de tráfico de influência para garantir a retirada do palmito das áreas de preservação até o produto ser entregue no comércio, depois de envasado na indústria de Ananias, em Guaratuba. Cada integrante seria responsável por uma parte da fraude. O procurador do Ministério Público Federal (MPF) em Paranaguá, Alessandro José Fernandes de Oliveira, informou que foram realizadas escutas telefônicas autorizadas pela Justiça durante três meses para comprovar a articulação do grupo.

Operação

Segundo a denúncia, funcionários de Ananias realizavam corte ilegal do palmito-juçara nas áreas de preservação e em propriedades rurais. Autorizações do IAP eram fraudadas ou reusadas para dar caráter legal ao transporte do produto in natura. Algumas liberações seriam conseguidas por meio do funcionário do IAP Francisco Antônio Torres de Oliveira. Porém, com o mesmo documento a quadrilha conseguiria retirar até quatro cargas da floresta, além da quantidade permitida. "(Ele) servia como despachante do Ananias. Às vezes, (ele) conseguia autorização para 2 mil cabeças (de palmito), mas cortavam até 4 mil", afirmou o delegado. O funcionário é suspeito ainda de adulterar as autorizações de corte para beneficiar Ananias.

Para levar o produto até a indústria sem o risco de fiscalização, eles contariam com o auxílio do sargento da Polícia Militar. O procurador de Guaratuba Jean Colbert faria a assessoria jurídica da quadrilha e teria coagido testemunhas. Fayad revelou que Colbert teria instruído um funcionário da empresa a alterar o depoimento prestado à PF depois de ser preso no início do ano, quando admitiu trabalhar para Ananias. O advogado teria orientado ao trabalhador alegar tortura dos policiais.

Já o chefe da Ciretran, Mordecai Magalhães de Oliveira, ex-vereador em Guaratuba, seria uma espécie de "olheiro". Ele consultava placas de veículos nas proximidades das áreas de preservação para tentar identificar carros usados pela polícia.

Outro lado

A assessoria de imprensa da prefeitura de Guaratuba afirmou que a prefeita Evani Cordeiro Justus não vai se pronunciar sobre o caso. Entretanto, a prefeitura divulgou nota afirmando que não participa de crime ambiental e que não tem conhecimento de que agentes públicos municipais tenham participado.

Já Júlio Ricardo Araújo – advogado de Mordecai Magalhães de Oliveira – afirmou que não havia nenhuma comprovação de que seu cliente tenha praticado crime ambiental. "O crime é ter cortado e comercializado o palmito e meu cliente não fez isso", afirmou.

A reportagem não conseguiu contato com a defesa dos demais acusados.

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