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Curitiba – Autor do relatório que apontou a falta de investimentos como responsável pela crise aérea brasileira, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Augusto Nardes, confessa que tem medo de viajar de avião no Brasil. Mas diz que a situação das estradas do país é mais grave que o caos que se instalou nos aeroportos. "As pessoas morrem todos os dias em estradas esburacadas, mas como são casos espalhados pelo país, não há tanta repercussão como na questão aérea", argumenta.

O ministro, que esteve em Curitiba na sexta-feira para coletar informações sobre o Porto de Paranaguá, avalia que o país não terá condições de crescer se não melhorar a sua infra-estrutura. E acusa o governo de desviar recursos, que poderiam ser investidos em obras, para compor o superávit primário. Nesta entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, Augusto Nardes fala ainda das mudanças de metodologia de trabalho que o TCU vem implementando, com enfoque na fiscalização preventiva.

Augusto Nardes – No relatório sobre o apagão áereo, o senhor foi bastante crítico em relação ao governo federal. Qual é a parcela de culpa do poder público na questão?

O que ficou evidente é que o governo não tem planejamento na questão da infra-estrutura. Houve contigenciamento e desvio de recursos de muitas obras, serviços de manutenção ou para contratação de recursos humanos. No caso do apagão aéreo, nós constatamos que houve corte de R$ 522 milhões entre 2004 e 2006. Como conseqüência, nós tivemos esse processo muito traumático para o país, com redução de movimento, queda na confiança das pessoas em voar e prejuízo muito grande na área de turismo. Para analisar melhor as questões, propus outras auditorias: uma internacional, que investigue todo o sistema aéreo brasileiro, uma auditoria operacional e de uma conformidade.Além de outras auditorias, a sociedade pode esperar conseqüências práticas a partir do relatório do apagão?

O governo havia negado o contingenciamento de recursos, mas nesta semana liberou R$ 60 milhões. Ou seja, nosso relatório já teve um efeito positivo. Acho que a partir de agora, o governo não vai mais fazer cortes lineares no repasse de verbas, porque isso custa vidas, causa o caos e a perda de confiança em viajar. Em um segundo momento, vamos penalizar as pessoas que cometeram erros de gestão. Considero que a questão de intervenção do TCU no problema aéreo possa alertar o governo de que a sociedade brasileira não pode mais viver de improvisos.

O senhor tem medo de viajar de avião no Brasil?

Com certeza. Para viajar de Brasília a Curitiba o vôo atrasou quase duas horas. Isso gerou transtornos para mim, e houve pessoas que ficaram até 24 horas dentro de um aeroporto. Mas acho que a situação mais grave é a das estradas. As pessoas morrem todos os dias em estradas esburacadas, mas como são casos espalhados em vários pontos do país, não há tanta repercussão como na questão aérea. É terrível alguém morrer porque o pneu estoura no buraco e o carro capota. Não podemos ser coniventes com isso.Quais são as suas conclusões sobre a situação das estradas no Brasil?

Setenta e seis por cento das nossas rodovias estão em condições péssimas ou ruins. A recuperação das estradas deveria ser financiada pela Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). Em 2005 havia R$ 7 bilhões disponíveis e o governo desviou isso para compor o superávit primário. Não é por acaso que temos cerca de 30 mil pessoas morrendo a cada ano nas estradas. Percorri 20 mil quilômetros de estradas esburacadas. Boa parte disso foi no Paraná, em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, mas a situação é a mesma no Nordeste e no centro do país. Em alguns casos já estamos buscando os responsáveis para aplicação de multa. Acho que não podemos flexibilizar quando a questão é coletiva. A sociedade como um todo está sendo prejudicada.Pelos relatórios de infra-estrutura produzidos pelo TCU, o contingenciamento de recursos parece ser uma das principais falhas do governo federal. O que o TCU pode fazer a respeito disso?

Tenho dito que o governo não pode fazer cortes lineares. Cada caso precisa ser avaliado. Do contrário, ocorrem situações como o apagão aéreo. Os cortes provocam prejuízos imensos a todos os serviços de infra-estrutura, atingindo também as exportações, além de todos os transtornos às pessoas. Se a economia do país crescer 3%, não precisa nem chegar aos 5% desejados pelo presidente, não teremos logística ou infra-estrutura para exportar nossos produtos.O senhor inovou o trabalho do TCU ao fazer visitas in loco. Os outros ministros e colegas do TCU compartilham desse método de trabalho?

Com as visitas, busco tomar não apenas a decisão fria da caneta, e sim aquela mais de acordo com a situação real. Os relatórios do apagão aéreo e das estradas foram aprovados por unanimidade. Mas precisamos buscar a análise preventiva, e isso vem ocorrendo cada vez mais no tribunal. Nosso trabalho de fazer a fiscalização preventiva tem dois focos: proteger a sociedade e auxiliar o governo para que faça as correções e possa planejar este país. Não tenho interesse em chamar a atenção, e até tento evitar a imprensa para não criar situações de pânico, mas a sociedade deve ficar alerta.

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