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No Paraná, o banco funciona em um laboratório no Instituto de Criminalística do Estado e abriga os dados com perfis genéticos de presos e condenados | André Rodrigues/Arquivo/Gazeta do Povo
No Paraná, o banco funciona em um laboratório no Instituto de Criminalística do Estado e abriga os dados com perfis genéticos de presos e condenados| Foto: André Rodrigues/Arquivo/Gazeta do Povo

Três anos depois de ter sido criado por lei e recebido gratuitamente do FBI — o departamento federal de investigação dos Estados Unidos — um software fundamental para seu funcionamento, o banco de amostras de DNA de criminosos brasileiros está longe de um padrão ‘‘CSI’’, seriado americano que mostra mistérios desvendados por um grupo de cientistas forenses. Administrado pela Polícia Federal, o sistema, que integra órgãos de perícia genética de diversos estados, conta com apenas 569 condenados cadastrados, de acordo com um relatório do Ministério da Justiça. Mas, apesar de pequeno, o banco já ajudou a polícia a elucidar alguns casos.

Apesar de limitado, banco de amostras já ajudou policiais

Apesar de ainda ser pouco utilizado, o banco nacional de amostras de DNA já identificou 47 casos de compatibilidade de material genético, que auxiliaram 91 investigações. Em todas, vestígios encontrados nos locais de crimes foram usados nas comparações.

A primeira compatibilidade foi detectada em maio de 2014, em uma investigação conjunta da Polícia Federal no estado de Pernambuco com a Polícia Civil de São Paulo. Por meio de um cruzamento de amostras de DNA, verificou-se que uma mesma pessoa participou de dois crimes, cometidos em locais separados por uma distância de cerca de dois mil quilômetros. A investigação continua em andamento e, de acordo com o Ministério da Justiça, ainda não é possível divulgar detalhes sobre o caso.

A contribuição do Rio de Janeiro para a rede nacional, no que diz respeito a DNA de condenados, restringe-se ao perfil genético de apenas uma pessoa (o total de amostras coletadas em vestígios no estado não foi informado). Administradora do banco estadual de DNA de criminosos, a perita Tatiana Hessab explica que a principal dificuldade para o abastecimento do sistema está no “pouco diálogo” entre órgãos públicos.

“Eu não posso simplesmente fazer uma coleta, preciso de uma documentação atestando que a pessoa está condenada pelos critérios da lei e de uma autorização do presídio para entrar lá. São coisas que não dependem da parte técnica da investigação”, diz a perita.

Por outro lado, o Rio se destaca por ter registrado o primeiro caso bem-sucedido de identificação de um morto por meio de uma análise feita junto ao banco de amostras de DNA. Onofre Lúcio Cordeiro Xavier procurava pelo filho, Jean, desde fevereiro de 2012. Já havia sido chamado algumas vezes pela polícia para ter seu material genético confrontado com o de restos mortais sem identificação, mas peritos nunca tinham detectado uma compatibilidade.

Em 2013, quando a Polícia Civil começou a inserir no banco de DNA amostras de restos mortais que estavam armazenadas em laboratórios espalhados pelo estado, surgiu a identificação de um perfil genético semelhante ao de Onofre. Terminava assim uma procura que durou dois anos. O cadáver de Jean tinha sido encontrado dentro de um carro, carbonizado.

“Além de encerrar a busca por um desaparecido, a identificação por DNA é capaz de dar pistas para investigadores descobrirem o que aconteceu”, explica Tatiana.

O documento do governo, elaborado com dados coletados em todo o país até 28 de maio deste ano, destaca que “o número de cadastrados representa menos de 1% do total de condenados por crimes hediondos e contra a pessoa, que somaria, em todo o Brasil, aproximadamente 60 mil detentos”. Ainda segundo o relatório do Ministério da Justiça, para o banco de DNA desempenhar plenamente seu papel, “a lei precisa ser cumprida”.

A lei que abriu caminho para a criação do banco determina a obrigatoriedade da coleta de material genético dos sentenciados por crimes hediondos e dolosos praticados com violência grave. De acordo com especialistas, o baixo número de cadastrados é resultado de problemas que vão de falta de infraestrutura, com nove estados sem conexão com o sistema nacional, até a inexistência de procedimentos de coleta de amostras de DNA.

“Os órgãos envolvidos com o funcionamento do banco, principalmente os sistemas penitenciários e os departamentos de perícia genética dos estados brasileiros, precisam estabelecer um protocolo de coleta sistemática no início da execução penal. Não é possível desprezarmos uma ferramenta tão importante para a elucidação de muitos casos”, diz o promotor Thiago Pierobom, do Distrito Federal.

Além de amostras de DNA de 569 condenados, o banco guarda dados genéticos de 1.967 vestígios encontrados em locais de crimes ou em corpos de vítimas, como manchas de sangue, traços de sêmen e fios de cabelo. Há ainda amostras de DNA de 39 suspeitos, incluídas no sistema por determinação da Justiça.

Em outra frente, o sistema já cadastrou 1.046 amostras de DNA relacionadas a casos de pessoas desaparecidas, obtidas de parentes vivos ou de restos mortais.

Rede maior facilitaria elucidação de crimes

Ter um grande banco de amostras de DNA de criminosos significa mais chances de um caso ser solucionado. Cruzamentos de informações genéticas podem esclarecer, por exemplo, se um condenado esteve na cena de um outro crime. O sistema permite ainda que um vestígio encontrado no corpo de uma vítima seja comparado ao material coletado de um suspeito. Nas investigações de estupros, ressalta o promotor Thiago Pierobom, a rede de mapeamento genético tem um papel fundamental.

“Quando um perito pega a amostra de DNA de um estuprador já condenado e a compara com vestígios coletados em inquéritos parados, as chances de elucidação de outros casos aumentam”, destaca Pieorobom.

A morosidade dos processos criminais e a impunidade diminuiriam se houvesse uma coleta mais sistemática de provas periciais, incluindo amostras de DNA, afirma Ludmila Ribeiro, pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ela coordenou um levantamento, encomendado pelo Ministério da Justiça, de 786 homicídios praticados em capitais brasileiras. De acordo com a pesquisa, os crimes levaram, em média, sete anos e três meses para serem julgados, e somente 30% dos processos resultaram em condenações. A maior parte das absolvições, diz Ludmila, teve como motivo “falta de provas científicas”.

“A maioria dos processos criminais acaba sendo baseada em relatos de testemunhas. Algumas afirmam que viram ‘‘mais ou menos’’ os crimes, e muitas vão ao júri apenas para falar do caráter do réu. Então, a verdade é que milhares de suspeitos são absolvidos no Brasil por falta de provas técnicas”, lamenta Ludmila.

A necrópsia é o único exame pericial feito em larga escala no país, segundo a pesquisadora do Crisp. Ludmila afirma que a evolução da tecnologia vem sendo desprezada na área de investigação criminal.

“Muita gente esquece que, em diversos casos de homicídios, houve uma briga antes do tiro que provocou a morte. E, nessa briga, o autor do crime provavelmente deixou evidências de sua participação”, explica a pesquisadora.

Os nove estados que não integram a rede de amostras de DNA de condenados estão no Norte e no Nordeste. De acordo com o Ministério da Justiça, os que mais forneceram dados para o banco foram Pernambuco (250 cadastros), Paraná (82) e Paraíba (50).

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