Medo
Pontos de consumo assustam moradores do Centro da capital
Os carros e os transeuntes não parecem incomodar quem vai à Rua Clotário Portugal, no Centro de Curitiba, para usar crack. Os dependentes acendem os cachimbos improvisados à plena luz do dia, agachados entre os veículos estacionados. O movimento é maior principalmente no começo do dia e no cair da tarde. Reúnem-se em frente a um casarão de luxo, de muros altos e grades. "Esse movimento é o dia todo. A gente nem pode sair na rua. O dia todo é portão trancado. A gente está preso por causa dessa cracolândia", disse um morador.
Uma mulher que pediu para não ser identificada adotou uma medida mais drástica para se sentir segura: só sai de casa empunhando uma chave de fenda preta, escondida sob a bolsa. "Um policial me orientou. Se eu for revistada, [a ferramenta] não se enquadra como arma branca. Se os crackentos vierem, furo eles", assegurou, em tom grave.
A Polícia Militar (PM) informou, por meio de nota, que "tem conhecimento de diversos locais utilizados para o uso de drogas, tendo atuação constante para coibir o ilícito". O recém-empossado secretário estadual de Segurança Pública, Leon Grupenmacher, vê "com grande preocupação" o avanço do crack. "Mas isoladamente não vamos resolver. É algo que requer a integração com diversas outras secretarias. É isso que vamos fazer", disse.
Sem futuro
Um dos habitantes da minicracolândia, Luiz Antonio dos Santos, de 52 anos, parece ser pacífico. Trabalhou como carpinteiro por 25 anos, até que a solidão o levou ao crack e este, à ruína. Diariamente, lê jornais. O que traz na mochila, estampa a manchete "Rumo ao Futuro". "Mas que futuro a gente tem?", questiona ele.
Hoje o crack já não provoca o bem-estar de quando começou no vício. Fuma para fugir da paranoia causada pela abstinência. "Prazer é só no começo. Depois, a pessoa se afunda. Eu mesmo já não sei o que fazer", desabafou.
Pelo mundo
Conheça outras ações de combate às drogas
São Paulo
A prefeitura passou a oferecer R$ 120, moradia e refeições gratuitas a frequentadores da cracolândia. Após 60 dias, o município planeja ampliar o número de vagas e oferecer cursos profissionalizantes.
Uruguai
No fim do ano passado, aprovou a liberação do uso recreativo de maconha. A droga pode ser adquirida em farmácias e a venda e a produção são controladas pelo Estado.
República Tcheca
Em 2010, liberalizou o uso de drogas, inclusive sintéticas, como LSD, cocaína e ecstasy. O tráfico, no entanto, continua sendo crime.
Holanda
Legalizou o consumo de maconha em cafés e lojas. A medida provocou uma redução no índice de encarceramento oito presídios foram fechados em 2009. Há anos, a Holanda está entre os países com menos mortes causadas por drogas.
Suíça
O governo fornece heroína para usuários que não conseguem largar o vício por tratamentos tradicionais. O fornecimento controlado derrubou pela metade os índices de overdose e de HIV transmitido por seringas.
Canadá
No início da década passada, Vancouver abriu a primeira sala de consumo supervisionado de drogas da América do Norte. As mortes por overdose caíram 35% nas imediações da sala.
Portugal
Em 2001, descriminalizou a posse de drogas. Uma década depois, o país constatou a queda no consumo entre adolescentes. O índice de usuários de entorpecentes se tornou menor que o de países próximos que proíbem as substâncias.
Fonte: Observatório do Crack.
Um rapaz moreno caminha a passos indecisos e para na esquina. Por detrás dos cabelos desgrenhados, os olhos vagos e um sorriso débil no rosto. Os sinais confirmam: ele é um dos mais de 12 mil dependentes de crack em Curitiba. Assim como outros usuários, ele vai todos os dias à Rua Desembargador Clotário Portugal, no Centro da capital, para "estourar pedras". Assim que a droga acaba, perambula pela região, sob efeitos do entorpecente.
INFOGRÁFICO: Confira o número de dependentes químicos em Curitiba
SLIDESHOW: Confira mais fotos de dependentes químicos em Curitiba
"Eu acabei de fumar. Faz dois minutos", assente Everton Oliveira, 23 anos. "[O crack] me ajuda a esquecer", completa.
Assim como a Clotário Portugal, outros pontos de Curitiba se tornaram focos de atenção, por atraírem cotidianamente uma clientela fiel de usuários de drogas. São áreas como as margens do Rio Capanema, a Rua Riachuelo, terrenos no Parolin e alguns reassentamentos. Espaços que funcionam como "minicracolândias", que já preocupam o poder público.
Enfrentamento
Nessas próximas semanas de abril, a prefeitura deve pôr em prática uma nova tentativa de tratar os dependentes químicos. Dois ônibus com psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais e agentes de saúde vão circular pelos pontos de consumo, com o objetivo de estabelecer vínculo com os usuários e oferecer-lhes um atendimento "mais humano".
Para isso, o município capacitou mais de 600 agentes comunitários, treinados em identificar pessoas em situação de risco como Everton e outros tantos frequentadores das minicracolândias e sensibilizá-los para necessidade de tratamento. Em outra ponta, o poder público vai convidar líderes comunitários a fortalecer esta rede.
Essência paulista
Apesar de não prever auxílio em dinheiro, o projeto curitibano tem a mesma essência da iniciativa lançada em janeiro pela prefeitura de São Paulo, que oferece trabalho e hospedagem a frequentadores da cracolândia. "O uso de drogas não pode ser visto como uma questão moral, de caráter. É uma questão de saúde pública. É uma doença e precisa ser olhada sob esse prisma", ressalta o diretor do departamento de Política Sobre Drogas da Secretaria Municipal da Defesa Social de Curitiba, Diogo Busse.
A cidade planeja, também nas próximas semanas, a expansão dos Centros de Atendimento Psicossocial (Caps) para além das seis unidades que hoje prestam atendimento aos dependentes. O programa também inovou ao incluir métodos terapêuticos não convencionais. Pacientes do Caps do Cajuru, por exemplo, passaram a frequentar aulas de ioga.
"A ideia é aumentar a cobertura [dos Caps] e a diversidade de ações. Além da abertura de novas unidades, queremos manter todas funcionando 24 horas", sintetizou o diretor do departamento de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde, Marcelo Kimati.
"Eu sou fraco perante a droga. Mas nunca roubei"
Três anos atrás, o vício em crack e em álcool fez com que Marcelo Avancini, de 38 anos, deixasse para trás o lar, a mulher e o emprego trabalhou por anos como garçom do Graciosa Country Club. Não queria que a família sofresse por vê-lo corroído pela dependência química. Na rua, vive da venda do artesanato que faz a partir de sucata de alumínio. Usa as latinhas para fumar "pedras", várias vezes ao dia. "Eu sou fraco perante a droga. Mas nunca roubei, nunca fui preso", ressaltou.
Articulado, o homem de fala mansa virou uma espécie de "líder do bem" da Praça Constantino Fanini, às margens do Rio Capanema, uma das minicracolândias de Curitiba. Ensina artesanato aos outros usuários e orienta-os a "não cair no lado errado". Os conselhos e os cuidados dispensados aos amigos lhe renderam o apelido de "Paizão".
"Eu roubava para comprar crack. Foi esse cara que me fez parar e sonhar com coisa melhor", diz Rodrigo, de 25 anos, um dos "filhos" de Avancini, e que se viciou depois que a mulher morreu.
Avancini reconhece a força da pedra. Já esteve internado por três vezes, mas sucumbiu às recaídas. "Não podia tomar uma cerveja, que já era", relembra. Sente vontade de se livrar do vício e recomeçar vida nova, mas sabe que, sozinho, não conseguirá abandonar o cachimbo.
De frente pro mar
Perto dali, outro frequentador da minicracolândia, Anderson Moreira, de 25 anos, construiu um barraco, à beira do Capanema. Caprichoso, decorou o local com um crucifixo, vasos de flores e bonecos. "E é de frente pro mar", brinca. É ali que se esconde para usar crack. Para comprar a droga, faz malabares em sinais de trânsito. O vício roubou um de seus muitos sonhos de juventude: trabalhar em circo. "Agora sei que é difícil. É difícil sair dessa, irmão. Por mais que queira, a pedra não deixa", lamentou.
No interior, atendimento a dependentes é "básico"
Denise Paro, da sucursal
Boa parte das principais cidades do interior do Paraná não contam com propostas alternativas para tratar de usuários de crack como a que Curitiba tenta implantar agora. À exceção de Londrina, que já implantou o Consultório de Rua, com uma equipe multidisciplinar que vai até os usuários, Ponta Grossa, Foz do Iguaçu, Maringá e Cascavel investem no tradicional: Centros de Atenção Psicossocial (Caps), leitos psiquiátricos, clínicas terapêuticas e recebem recursos do programa do governo federal, Crack é Possível Vencer. Na prática, porém, cada um tem suas dificuldades.
Em Foz do Iguaçu, por exemplo, cidade com fácil acesso às drogas em função da fronteira, não há clínicas terapêuticas. Os usuários precisam ser encaminhados a outras cidades.
Em Cascavel, a demanda é grande. Só o Conselho Municipal Antidrogas (Comad) atende cerca de 15 famílias por semana, encaminhado os pacientes para internações ou desintoxicação.
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