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Marcelo, 38, se orgulha de nunca ter roubado | Fotos: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo
Marcelo, 38, se orgulha de nunca ter roubado| Foto: Fotos: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo

Medo

Pontos de consumo assustam moradores do Centro da capital

Os carros e os transeuntes não parecem incomodar quem vai à Rua Clotário Portugal, no Centro de Curitiba, para usar crack. Os dependentes acendem os cachimbos improvisados à plena luz do dia, agachados entre os veículos estacionados. O movimento é maior principalmente no começo do dia e no cair da tarde. Reúnem-se em frente a um casarão de luxo, de muros altos e grades. "Esse movimento é o dia todo. A gente nem pode sair na rua. O dia todo é portão trancado. A gente está preso por causa dessa cracolândia", disse um morador.

Uma mulher que pediu para não ser identificada adotou uma medida mais drástica para se sentir segura: só sai de casa empunhando uma chave de fenda preta, escondida sob a bolsa. "Um policial me orientou. Se eu for revistada, [a ferramenta] não se enquadra como arma branca. Se os ‘crackentos’ vierem, furo eles", assegurou, em tom grave.

A Polícia Militar (PM) informou, por meio de nota, que "tem conhecimento de diversos locais utilizados para o uso de drogas, tendo atuação constante para coibir o ilícito". O recém-empossado secretário estadual de Segurança Pública, Leon Grupenmacher, vê "com grande preocupação" o avanço do crack. "Mas isoladamente não vamos resolver. É algo que requer a integração com diversas outras secretarias. É isso que vamos fazer", disse.

Sem futuro

Um dos habitantes da minicracolândia, Luiz Antonio dos Santos, de 52 anos, parece ser pacífico. Trabalhou como carpinteiro por 25 anos, até que a solidão o levou ao crack e este, à ruína. Diariamente, lê jornais. O que traz na mochila, estampa a manchete "Rumo ao Futuro". "Mas que futuro a gente tem?", questiona ele.

Hoje o crack já não provoca o bem-estar de quando começou no vício. Fuma para fugir da paranoia causada pela abstinência. "Prazer é só no começo. Depois, a pessoa se afunda. Eu mesmo já não sei o que fazer", desabafou.

Pelo mundo

Conheça outras ações de combate às drogas

São Paulo

A prefeitura passou a oferecer R$ 120, moradia e refeições gratuitas a frequentadores da cracolândia. Após 60 dias, o município planeja ampliar o número de vagas e oferecer cursos profissionalizantes.

Uruguai

No fim do ano passado, aprovou a liberação do uso recreativo de maconha. A droga pode ser adquirida em farmácias e a venda e a produção são controladas pelo Estado.

República Tcheca

Em 2010, liberalizou o uso de drogas, inclusive sintéticas, como LSD, cocaína e ecstasy. O tráfico, no entanto, continua sendo crime.

Holanda

Legalizou o consumo de maconha em cafés e lojas. A medida provocou uma redução no índice de encarceramento – oito presídios foram fechados em 2009. Há anos, a Holanda está entre os países com menos mortes causadas por drogas.

Suíça

O governo fornece heroína para usuários que não conseguem largar o vício por tratamentos tradicionais. O fornecimento controlado derrubou pela metade os índices de overdose e de HIV transmitido por seringas.

Canadá

No início da década passada, Vancouver abriu a primeira sala de consumo supervisionado de drogas da América do Norte. As mortes por overdose caíram 35% nas imediações da sala.

Portugal

Em 2001, descriminalizou a posse de drogas. Uma década depois, o país constatou a queda no consumo entre adolescentes. O índice de usuários de entorpecentes se tornou menor que o de países próximos que proíbem as substâncias.

Fonte: Observatório do Crack.

  • O crack levou os sonhos de Anderson de trabalhar em circo. Hoje, ele faz malabares nos sinais
  • Jovem usuário, clicado pouco depois de ter fumado crack
  • Luiz Antonio teve a vida destruída pelo crack, mas não consegue se livrar do vício
  • Manchete apregoa
  • Anderson Moreira construiu um barraco, às margens do Capanema, uma das mini-cracolândias
  • Detalhe da frente do barraco de Anderson Moreira
  • Parte das moedas que Anderson ganha nos sinais vai parar nas mãos de traficantes de crack
  • Rodrigo abraça Marcelo Avancini, na praça perto do Rio Capanema:
  • Marcelo e Rodrigo vendem peças de artesanato nos sinais, próximo a mini-cracolândia
  • Caps do Cajuru oferece aulas de ioga para ajudar usuários a se livrarem da dependência

Um rapaz moreno caminha a passos indecisos e para na esquina. Por detrás dos cabelos desgrenhados, os olhos vagos e um sorriso débil no rosto. Os sinais confirmam: ele é um dos mais de 12 mil dependentes de crack em Curitiba. Assim como outros usuários, ele vai todos os dias à Rua Desembargador Clotário Portugal, no Centro da capital, para "estourar pedras". Assim que a droga acaba, perambula pela região, sob efeitos do entorpecente.

INFOGRÁFICO: Confira o número de dependentes químicos em Curitiba

SLIDESHOW: Confira mais fotos de dependentes químicos em Curitiba

"Eu acabei de fumar. Faz dois minutos", assente Everton Oliveira, 23 anos. "[O crack] me ajuda a esquecer", completa.

Assim como a Clotário Portugal, outros pontos de Curitiba se tornaram focos de atenção, por atraírem cotidianamente uma clientela fiel de usuários de drogas. São áreas como as margens do Rio Capanema, a Rua Riachuelo, terrenos no Parolin e alguns reassentamentos. Espaços que funcionam como "minicracolândias", que já preocupam o poder público.

Enfrentamento

Nessas próximas semanas de abril, a prefeitura deve pôr em prática uma nova tentativa de tratar os dependentes químicos. Dois ônibus – com psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais e agentes de saúde – vão circular pelos pontos de consumo, com o objetivo de estabelecer vínculo com os usuários e oferecer-lhes um atendimento "mais humano".

Para isso, o município capacitou mais de 600 agentes comunitários, treinados em identificar pessoas em situação de risco – como Everton e outros tantos frequentadores das minicracolândias – e sensibilizá-los para necessidade de tratamento. Em outra ponta, o poder público vai convidar líderes comunitários a fortalecer esta rede.

Essência paulista

Apesar de não prever auxílio em dinheiro, o projeto curitibano tem a mesma essência da iniciativa lançada em janeiro pela prefeitura de São Paulo, que oferece trabalho e hospedagem a frequentadores da cracolândia. "O uso de drogas não pode ser visto como uma questão moral, de caráter. É uma questão de saúde pública. É uma ­­doença e precisa ser olhada sob esse prisma", ressalta o diretor do departamento de Política Sobre Drogas da Secretaria Municipal da Defesa Social de Curitiba, Diogo Busse.

A cidade planeja, também nas próximas semanas, a expansão dos Centros de Atendimento Psicossocial (Caps) para além das seis unidades que hoje prestam atendimento aos dependentes. O programa também inovou ao incluir métodos terapêuticos não convencionais. Pacientes do Caps do Cajuru, por exemplo, passaram a frequentar aulas de ioga.

"A ideia é aumentar a cobertura [dos Caps] e a diversidade de ações. Além da abertura de novas unidades, queremos manter todas funcionando 24 horas", sintetizou o diretor do departamento de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde, Marcelo Kimati.

"Eu sou fraco perante a droga. Mas nunca roubei"

Três anos atrás, o vício em crack e em álcool fez com que Marcelo Avancini, de 38 anos, deixasse para trás o lar, a mulher e o emprego – trabalhou por anos como garçom do Graciosa Country Club. Não queria que a família sofresse por vê-lo corroído pela dependência química. Na rua, vive da venda do artesanato que faz a partir de sucata de alumínio. Usa as latinhas para fumar "pedras", várias vezes ao dia. "Eu sou fraco perante a droga. Mas nunca roubei, nunca fui preso", ressaltou.

Articulado, o homem de fala mansa virou uma espécie de "líder do bem" da Praça Constantino Fanini, às margens do Rio Capanema, uma das minicracolândias de Curitiba. Ensina artesanato aos outros usuários e orienta-os a "não cair no lado errado". Os conselhos e os cuidados dispensados aos amigos lhe renderam o apelido de "Paizão".

"Eu roubava para comprar crack. Foi esse cara que me fez parar e sonhar com coisa melhor", diz Rodrigo, de 25 anos, um dos "filhos" de Avancini, e que se viciou depois que a mulher morreu.

Avancini reconhece a força da pedra. Já esteve internado por três vezes, mas sucumbiu às recaídas. "Não podia tomar uma cerveja, que já era", relembra. Sente vontade de se livrar do vício e recomeçar vida nova, mas sabe que, sozinho, não conseguirá abandonar o cachimbo.

De frente pro mar

Perto dali, outro frequentador da minicracolândia, Anderson Moreira, de 25 anos, construiu um barraco, à beira do Capanema. Caprichoso, decorou o local com um crucifixo, vasos de flores e bonecos. "E é de frente pro mar", brinca. É ali que se esconde para usar crack. Para comprar a droga, faz malabares em sinais de trânsito. O vício roubou um de seus muitos sonhos de juventude: trabalhar em circo. "Agora sei que é difícil. É difícil sair dessa, irmão. Por mais que queira, a pedra não deixa", lamentou.

No interior, atendimento a dependentes é "básico"

Denise Paro, da sucursal

Boa parte das principais cidades do interior do Paraná não contam com propostas alternativas para tratar de usuários de crack como a que Curitiba tenta implantar agora. À exceção de Londrina, que já implantou o Consultório de Rua, com uma equipe multidisciplinar que vai até os usuários, Ponta Grossa, Foz do Iguaçu, Maringá e Cascavel investem no tradicional: Centros de Atenção Psicossocial (Caps), leitos psiquiátricos, clínicas terapêuticas e recebem recursos do programa do governo federal, Crack é Possível Vencer. Na prática, porém, cada um tem suas dificuldades.

Em Foz do Iguaçu, por exem­plo, cidade com fácil aces­so às drogas em função da fronteira, não há clínicas te­rapêuticas. Os usuários precisam ser encaminhados a outras cidades.

Em Cascavel, a demanda é grande. Só o Conselho Municipal Antidrogas (Co­mad) atende cerca de 15 famílias por semana, encaminhado os pacientes para internações ou desintoxicação.

Sua opinião

Como você avalia iniciativas como a de Curitiba e São Paulo, que vão até os usuários de drogas e tentam, por meio da construção de um vínculo de confiança, convencê-los a se tratar?Deixe seu comentário abaixo e participe do debate.

Retratos do crack

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