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Ilustração: Felipe Lima/Gazeta do Povo | /
Ilustração: Felipe Lima/Gazeta do Povo| Foto: /

Ouvir um potencial suicida falar e, por si só, fazê-lo encontrar outro caminho é a tarefa do Centro de Valorização da Vida (CVV). Mas quem quiser ser um voluntário precisa passar por um curso que pode durar até dez meses, dominar a técnica de atendimento do grupo e desafiar seus próprios dilemas. O retorno disso tudo? Dificilmente alguém sairá dali da mesma forma que entrou.

A Gazeta do Povo acompanhou um dos três dias que compõem a primeira fase do curso de voluntariado da CVV em Curitiba. Nessa etapa, além de uma apresentação sobre a instituição, começam a surgir as primeiras perguntas retóricas que levam os candidatos a pensar sobre o porquê de estarem ali e porque o suicídio é uma das grandes questões da sociedade moderna. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), três mil pessoas se suicidam diariamente.

Atendimentos difíceis

O CVV tem diversas técnicas para que os voluntários lidem com os dilemas emocionais dos interlocutores. Mas eles próprios reconhecem que é impossível passar incólume por algumas das histórias. Para lidar com isso, o grupo se reúne bimestralmente em reuniões em que cada um pode compartilhar as dificuldades dos atendimentos e ouvir do restante do grupo sugestões como lidar com esses temas. Essas conversas têm de ocorrer sem qualquer caracterização sobre quem relatou o problema.

A instituição oferece sigilo absoluto para quem a procurou, inclusive interno. Os voluntários não gravam, não tomam nota e não pedem qualquer dado que possa identificar quem ligou. De tanto ouvir histórias complicadas, não é difícil imaginar um voluntário do CVV precisar dos serviços da ONG. Mas eles garantem que não há como saber quem está do outro lado da linha. “Se isso já ocorreu, não temos como saber”, garante um deles.

O sigilo somente é quebrado quando a ligação implica em uma questão legal, abordagem que é feita durante os meses de preparação dos futuros voluntários. No primeiro dia de aula, um dos candidatos perguntou o que o CVV faz se uma pessoa relatar, por exemplo, que acabou de atentar contra a própria vida. O assunto ficou para a próxima aula.

Levados a pensar sobre o assunto, os candidatos apontaram falta de tempo, vaidade, ambição, pressão para atingir padrões de excelência e beleza como algumas das justificativas que têm desencadeado doenças mentais capazes de levar uma pessoa a tirar a própria vida. Mas o distanciamento da crítica fez o instrutor alertar: “problemas da sociedade não. Problemas vividos por nós todos”.

Apontar os erros do homem moderno sem olhar para si próprio é uma arapuca comum. E esse é um dos motivos do curso ser tão extenso. “Queremos que as pessoas ouçam e levem o conteúdo da preparação para o contexto de suas vidas. Com o passar das semanas, elas vão refletir se é isso mesmo que querem”, afirmou o instrutor, que também é voluntário.

A turma de candidatos ao voluntariado acompanhada pela reportagem começou maior que o de costume -- havia cerca de 40 candidatos na sala que recebeu a primeira aula. A procura aumentou em função do Setembro Amarelo, mês em que é reforçada a divulgação sobre a prevenção ao suicídio. O perfil dos candidatos era diverso, indo de aposentados, passando por estudantes de psicologia, advogados, engenheiros e até a um ex-DJ que se converteu ao budismo. O CVV não tem inclinação política nem religiosa.

Desistência

A seleção é rigorosa com os voluntários. Mas geralmente são eles próprios que acabam se selecionando. A taxa de desistência é alta. “Às vezes são 30 pessoas em uma turma e ficam oito ou até seis. A própria pessoa desiste porque há temas tabus que alguns ainda não se sentem preparados para lidar”, afirma Quintino Dagostin, porta-voz do CVV em Curitiba.

Passada a primeira etapa, os candidatos partem para mais três etapas, cuja duração total pode chegar a seis meses. A pessoa passa a ser voluntária apenas depois realizar estágios acompanhados. E mesmo depois de aprovado, ela continua sendo treinado periodicamente. Fora reuniões ou escalas de rodízio, o tempo de dedicação ao serviço é de 4 horas e meia por semana. São quatro horas de atendimento e 15 minutos antes e 15 depois para se “zerar”, como dizem os voluntários. E nessa metade de hora que a pessoa se despe dos seus problemas particulares para ouvir as emoções das outras. Ao final, o trabalho é não levar consigo esses problemas.

Os voluntários do CVV atendem presencialmente, por telefone ou via chat, Skype e e-mail. O atendimento em Curitiba pelo telefone 141 ocorre 24 horas por dia. É possível consultar os horários de atendimento para outras cidades e canais no site da instituição.

Brasil tem mais de um suicídio por hora, aponta Mapa da Violência

De acordo com dados do Mapa da Violência de 2014, último estudo específico sobre o assunto no Brasil, os suicídios aumentaram 22% entre 2000 e 2012 nas capitais do país – passando de 1.832 no início da década passada para 2.234 casos . No Brasil, o último estudo divulgado mostrou que 10.317 suicídios foram registrados em 2012 – média de 28 casos por dia.

A própria OMS ressalta que 90% dos casos poderiam ser prevenidos. E alguns países, principalmente nos desenvolvidos, já apresentam queda desses índices, segundo o professor da UNESP José Manoel Bertolote.

“Os países europeus ocidentais, Estados Unidos, China, Japão e Canadá têm apresentado queda nas taxas de suicídio. Mas eles implantaram políticas de prevenção. O Brasil até tem uma boa política, mas ela está engavetada há mais de dez anos”, afirmou Bertolote, que também é consultor da OMS e autor do livro O Suicídio e sua Prevenção.

Sem uma política bem estruturada no país, Bertolote elogia serviços como os do Centro de Valorização da Vida . Segundo o CVV, seus voluntários realizam mais de um milhão de atendimentos todo o ano. Apenas em Curitiba, são 1,2 mil atendimentos mensais realizados por cerca de 70 voluntários.

O Mapa da Violência também mediu os suicídios entre jovens em cidades brasileiras com, pelo menos, 15 mil habitantes jovens. A variação total nessa faixa etária foi de 1.2% – passando de 653 casos em 2000 para 665 em 2012. Chamou atenção no estudo o fato de a taxa de por 100 mil habitantes entre homens jovens (8.9) superar a taxa média total (8.5).

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